É importante começar logo mesmo antes do começo propriamente dito quando Anna Erelle, nome fictício para uma jornalista francesa, indica: "os factos a seguir narrados ocorreram na Primavera de 2014, dois meses antes da tomada de Mossul, segunda cidade do Iraque, pelo Estado Islâmico, e da autoproclamação de um califado pelo seu líder Abu Bakr al-Baghdadi."
O trabalho de pesquisa e de infiltrada nos meandros da comunicação com jihaditas coloca este testemunho em destaque perante os últimos acontecimentos, numa tentativa de explicar a forma de recrutamento virtual praticado pelo fanatismo dos combatentes da brigada islamita.
Desde as primeiras palavras aprendemos a designação que nos é dada, kuffar, e como infiéis que somos, devemos ser banidos de entrar no paraíso que a jihad em nome de um Islão mais puro está a alcançar. É esta a mensagem que os devotos, os fanáticos ou os soldados recrutadores tentam passar aos recém convertidos ao islamismo (e não só) a fim de abraçarem a causa e abandonarem as vidas impuras que levam. Nomeadamente a família, caso essa seja um factor de limite da missão que devem seguir.
Na senda dos mujahedins que usam as redes sociais, Anna Erelle, assume um perfil falso de Facebook, como Melánie, uma jovem recentemente convertida e que busca orientação e é desde logo um alvo fácil para homens e mulheres que a tentam convencê-la a efectuar a sua hégira (abandonar o seu país e família infiel e juntar-se à luta). Com as redes sociais estes combatentes mantêm o anonimato e prosseguem com a jihad virtual, espalhando o horror com vídeos violentos mantendo a promessa de mais mortes, torturas, violações, saques e conquistas para os futuros guerreiros.
É muito interessante a forma como a jornalista francesa explica como são feitos esses recrutamentos e quem são os potenciais alvos. A fé talvez seja a menor das preocupações de quem recruta, já que Erelle dá a perceber que a situação económica, a criminalidade ou a falta de rumo na vida, são factores fulcrais para permitirem que a lavagem cerebral ocorra. É isso que tentam fazer com Melánie, quando esta se apresenta mais frágil por falta de apoio familiar. Para sua surpresa quem a aborda via Facebook e Skype é Abu-Bilel, combatente na Síria e braço direito do califa.
Estabelecido o contacto e ganha a confiança necessária é altura da jornalista perceber como se processa a fase seguinte. Levar os candidatos até terras do califato e que papeis irão assumir. Mas como lá chegam? Com que meios? Com o apoio de quem e passando que fronteiras?
A partir deste momento o seu trabalho como infiltrada aumenta e o perigo também. São muitas as questões que Erelle levanta e mostra a teia que envolve muitos dos acontecimentos desde a separação de uma célula da Al-Qaeda que é hoje a Daesh e como tem evoluído até à data, não esquecendo o papel dos Estados Unidos da América e da própria França. E não esquecendo também de demonstrar o reconhecimento e a afirmação que estes heróis buscam. Ou até o quão é difícil de avaliar e vigiar (e nunca se pode vigiar toda a gente!) alguém só porque se recolhe mais perante dada religião ou efectua determinadas viagens para países mais fundamentalistas.
Desde as explicações iniciais que contextualizam o tema, até ao momento fulcral de se infiltrar, o testemunho de Erelle tem um balanço positivo e até educativo, para além de assumir em certas partes contornos assustadores, mas alguns dos diálogos parecem forçados e até simplistas, não sei explicar melhor, não esperava aquele tipo de diálogos. Um outro detalhe que me deixa a pensar é ter-lhe "calhado" logo um dos homens em quem o califa deposita mais confiança. Gosto do lado informativo e até especulativo, mas na sua totalidade como caso real...
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