"- Tem alguma entrada nova para o seu dicionário?
- Tenho algo (...) - É uma variante do amor em minúsculas: o karma rápido que se produz quando fazemos pequenas confusões. Como quando falamos da sovinice de um amigo e nesse mesmo dia ele nos surpreende com um presente. (...) Os alemães têm um ditado para isto: Deus castiga de imediato os pequenos pecados."
É delicioso este «amor em MINÚSCULAS!
Julgo que abraçamos Samuel desde cedo, talvez por nos ser fácil reconhecer-mo-nos em partes da vida deste personagem e essa empatia conduz-nos pelo livro todo.
"Suponho que deixei de socializar por medo de ser ainda mais dececionado."
Nunca chegamos bem a saber quais as decepções que pautaram os mais de trinta anos de Samuel, apesar de um trabalho um tanto enfadonho, uma irmã e um cunhado obsessivos e depressivos, uma tendência ao isolamento e um amor por cultura, cinema, música e literatura alemãs que, na opinião do próprio, lhe dificultam um pouco a socialização. No entanto, o próprio sente que a sua vida precisa de uma reviravolta, assim que um intruso lhe interrompe o serão.
"(...) o caminhante sobre o mar de névoa adquiria um significado novo para mim. Percebi que era uma alegoria da minha vida. Eu era como aquele tipo: de pé no topo de uma montanha, sem entender nada do que se passava no mundo abaixo."
Mesmo sem esse entendimento do mundo abaixo ou acima dele, Samuel surpreende-se a si mesmo quando, por causa do intruso, um gato, entra em casa do vizinho e a sua vida já não será mais a mesma. É que o velho tinha gosto para debates e troca de ideias e Samuel não tem outro remédio se não participar.
"(...) Talvez por isso não me sobressaltei quando o homem do chapéu lançou a pergunta:
- Tens nostalgia do futuro?"
Nostalgia, Samuel não sabe bem se tem, mas pré-preocupação tem de certeza. Uma certa antecipação, ansiedade e inquietação, é tudo o que ele não queria, mas tem a partir do momento em que revê Gabriela. A certo momento também sentimos alguma ansiedade com a presença de Meritxell, mas depressa passa.
(E aqui eu podia dizer uma coisa, que foi a única que não me agradou, mas isso ia ser spoiller!!! Mas fica já dito que eu queria um fim diferente)
"A felicidade nunca mingua por ser partilhada"
A frase é de Siddhartha/Herman Hesse e é bom salientar que este livro de Miralles é um sem fim de referências, livros de Kawabata, Hesse, Pessoa, Kafka, Goethe... citações, músicas, as clássicas romanzas de Mendelssohn, pintura, poesia... entre influências variadas, Espanha, Alemanha e Japão estão entre os locais referenciados. Há também algumas palavras e expressões raras, dicas de meditação e alguma filosofia orienta. E filmes que lhe servem de ponte para pensamentos e constatações.
Depois da leitura ficam-me três vontades:
- continuar a apreciar as Canções sem palavras de Mendelssohn
- ler o livro O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, de Yukio Mishima
- ver o filme «Alice e as cidades» de Wim Wenders
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«amor em MINÚSCULAS» de Francesc Miralles é uma novidade MARCADOR
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