quinta-feira, 22 de agosto de 2019

«Eu sou Bolaño, o escritor e o mito» - Opinião



“Eu Sou Bolaño” é uma compilação de textos, escolhidos por Celína Manzoni, que visam, através da perspectiva de vários escritores e textos inéditos de Bolaño, uma breve reflexão sobre o romance, a escrita e a sua biografia, afirmando mais uma vez o fenómeno que o escritor representa. Este conjunto de textos dispersos, oriundos de vários países, pretende proporcionar aos leitores de Bolaño mais motivos para compreender e apreciar a sua obra. 

Para quem como eu ainda não se estreou nas aventuras literárias deste autor, esta compilação foi acima de tudo um confirmar da fama e do traço de génio que lhe é reconhecido e ficar ainda mais indecisa por que obra começar. Essencialmente era isso que eu procurava, um guia de leitura para as obras megalómanas de Bolaño, no entanto, perante o avanço nesta compilação qualquer potencial leitor se sente perdido no universo selvagem deste autor ou a perguntar-se pelas suas capacidades para entender só metade daquilo que os estudiosos aqui indicam. Também eles continuamente boquiabertos. 

Logo ao início, no texto "Bolaño por Bolaño", surge a obra «A pista de gelo» que o próprio autor resume numa simples frase, : "(...) em La pista de Hielo (1993), falo da beleza que dura pouco e cujo o final costuma ser desastroso." Mais à frente, um curto texto suscita-se a curiosidade do leitor para o leque sumptuoso de personagens deste romance e parece-nos uma boa forma de entrar no universo do autor, entretanto, rapidamente nos assaltam com elogios ao complexo e provocador romance: «A Literatura Nazi nas Américas» cruzando-o com inúmeras outras referências literárias, deixando desde logo o leitor meio perdido no cruzamento de tantos livros. Mas a dúvida aumenta ainda mais com o altamente destacado «Os detectives selvagens», no entanto, a complexidade e as inúmeras páginas recheadas de metáforas e referências, bem como a estrutura que se desmonta e transforma e integra e desintegra em personagens e História, faz-nos pensar uma leitura inalcançável e muito difícil de decifrar.

É essencial perceber na intrincada e complexa obra do autor a luta contra o esquecimento, necessitando para isso de incluir a política na literatura. A forma como o faz é única e suplanta o óbvio ou o simples registo do real. Bolaño mune-se de personagens que se alimentam umas nas outras e reconstrói a memória individual e colectiva assente no horror e na bizarria do lado obscuro do ser humano como resposta. É isto que lemos nos vários ensaios sobre a obra de Bolaño, para além do reconhecido brilhantismo literário e da constante necessidade de analisar e interpretar a sua obra, nomeadamente os romances póstumos.

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Excertos

Manzoni sobre «A Literatura Nazi nas Américas»

"Quando a história aceita como consumado o esquecimento de alguém cuja «passagem pela literatura deixa um rasto de sangue e várias perguntas feitas em silêncio» (186), a narrativa passa a converter-se num presente e o narrador em protagonista. Se a História não pode formular perguntas adequadas ou é incapaz de encontrar respostas para o silêncio dos desaparecidos, a poesia pode converter-se numa sua aliada.»


María Antonieta Flores sobre «Os Detectives Selvagens»

"As diversas histórias e personagens que se entrecruzam ou se desencontram constituem peças de uma colagem, os fragmentos de um todo impossível de alcançar. (...) Todo o tecido narrativo cria uma atmosfera vaga, de falta de certeza. O itinerário da história é marcado por palavras, tempos e espaços bem determinados que, apesar disso e paradoxalmente, constroem uma estética de imprecisão. (...)
Então, o leitor é obrigado a converter-se também em «detective» que não pode garantir o que está por detrás da janela imprecisa. (...)
Esta imprecisão das personagens que estão ali no texto, juntamente com a visão múltipla das múltiplas personagens, leva-nos a pensar que no fundo não existem protagonistas e que se trata de uma forma de elaborar narrativamente o conceito e tema caro à pós-modernidade: a dissolução do sujeito."


Enrique Vila-Matas no texto "Bolaño à distância" sobre «Os Detectives Selvagens»

No Bolaño de Os Detectives Selvagens há algo de desesperação maníaca. Escrevo isto e pergunto-me se na realidade o desesperado maníaco não serei eu. Queria falar com leveza e com a máxima agilidade da extravagância e do efervescente magma linguístico do romance de Bolaño para poder passar rapidamente à terceira secção interessante deste livro - a da estrutura originalíssima - (...).
Como são as coisas. Voltei a aproximar-me de Bolaño (...) - e, no entanto, vi-me aqui convertido num homem que ficou enredado no mundo da multiplicidade de Bolaño, esse escritor que vê o mundo como um enredo, um emaranhado, um novelo."


Alejandro Zambra sobre «Tres», um livro de poesia de Bolaño

"A extrema consciência compositiva que a obra de Bolaño entranha e por vezes ostenta, as suas raízes líricas ou o simples facto de os seus romances, como a boa poesia, conservam essa dose de ilegibilidade que apela à releitura (...): Bolaño, como poeta, é um excelente narrador, mas não há dúvida de que como narrador é um excelente poeta."


Mihály Dés sobre «Putas Asesinas»

"Duas qualidades extraordinárias caracterizam a narrativa de Roberto Bolaño (...). A primeira é a capacidade de criar importantes vozes narrativas que se fazem com a trama e se convertem no núcleo da história. A segunda consiste em outorgar uma quarta dimensão às suas narrações, uma espécie de abismo temporal através do qual tudo se vê como irrecuperavelmente perdido."


Bolaño no discurso de agradecimento do prémio Rómulo Gallegos

“então o que é uma escrita de qualidade? Pois, na verdade, o que sempre foi: saber enfiar a cabeça no escuro, saber saltar no vazio, saber que a literatura é basicamente um ofício perigoso. Correr pela beira do precipício (...)"


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