«As longas noites de Caxias» de Ana Cristina Silva é um livro necessário essencialmente para recordar a maldade inerente à polícia política do Antigo Regime, mas mais do que tudo expor a maldade no feminino, daí que a PIDE venha na imagem da agente Leninha. No entanto, para deixar uma marca maior no leitor a autora podia ainda ter encruado mais o discurso, fosse no caracterizar das personagens fosse das descrições das longas noites. Ainda assim é um documento extremamente importante, e interessante, para se pensar a perseguição política e a humilhação a que tantos homens e mulheres foram sujeitados. Em certas partes, a linguagem com um leve toque poético não lhe cai mal, mas distraí o leitor do importante: a violência, o ódio, a injustiça e o clima de medo.
"Como represália, gritaram-lhe que fizesse a estátua: «Agora vais fazer de Cristo». Um dos agentes riu-se e os outros pegaram-lhe nos braços. Laura sentiu um calafrio, uma horrível sensação causada pelo toque das mãos suadas na sua pele. Bastavam poucas horas naquela posição para ficar rígida como um cadáver. (...)
As noites pertenciam às agentes femininas que as impediam de dormir. (...) - Leninha, Odete ou Lourdes - ia batendo com moeda debaixo da mesa. Aquele ruído tinha o som de um trovão numa penumbra de profundo silêncio."
Há um constante duelo entre Laura e a agente, no entanto, a narrativa segue um outro rumo a partir do momento em entra mais na vida de Leninha e vemos que a sua luta é muito anterior à PIDE e percebemos o seu caminho pela violência, trazendo quase que uma justificação.
"No dia em que Salazar foi a Setúbal e beijou Maria Helena na testa, o seu pai deu uma tareia à mulher."
Nestas descrições de época, retratando as décadas de ditadura e a necessidade de deixar muitas palavras rentes à boca é que conhecemos o outro lado, o de Laura, a jovem a quem é dada a oportunidade de vir para Lisboa estudar Direito e que por aqui, anos mais tarde, entra na luta e na resistência estudantil e é com ela que a autora nos a pensar na sobrevivência e na superação do trauma. Se é que é possível, como e com que limitações.
“A vigilância praticada pelos agentes da PIDE era um serviço de Estado Português. O seu propósito secreto era o de que as pessoas deixassem de ter pensamentos para se transformarem numa frágil teia de espírito permeável ao terror.”
Quase no final, o testemunho da agente, carregado do palrar patriótico e a justificação pela lealdade e cumprimento de ordens, juntamente com nenhuma procura por redenção ou perdão, intensifica os traços psicológicos da personagem ligando-a à enorme desumanização de todos os regimes.
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