segunda-feira, 2 de agosto de 2021

"A devoradora de pecados" de Megan Campisi :: Opinião

 

"As pedras que a vão comprimir estão amontoados ali perto (...) eles usam pedras, algumas são largas como as rodas de uma carroça, para obrigar os traidores a falar se estes recusarem a confessar. Deitam o homem ou a mulher numa cama de madeira, a seguir empilham pedras sobre o seu peito, parando apenas se for feita a confissão. Falar ou morrer. Podem passar-se horas até as pedras esmagarem um corpo em forma."

Em "A devoradora de pecados" (SdE, 2021), assiste-se à caracterização sombria e requintada de um hábito que existiu até há pouco mais de cem anos nas regiões da Bretanha que a autora tratou de abrilhantar com detalhes grotescos e vívidos, conseguindo assim ofender visualmente o leitor, obrigando-o a desviar o olhar daquilo que se consegue visualizar tão nitidamente que arrepia. 

Megan Campisi compõe um enredo em torno de May, que por um crime pouco significativo é condenada a um destino de marginalização, segregação, silêncio e solidão. May será uma devoradora de pecados, uma proscrita amaldiçoada, uma serva de Eva que não se deve sequer olhar. Apenas tolerada nos momentos fúnebres ou junto aos corpos dos moribundos onde se banqueteia com línguas de vacas, sementes de mostarda, empadas de rins e muito alho ou corações dos mais variados animais, para engolir pecados que os outros cometeram. Comidos os pecados, é a devoradora quem os carrega até à morte, livrando assim a alma, para limpa, entrar no céu. 

Regozije-se então, quem deste sórdido banquete apenas tiver que engolir pepinos em conserva e sal, uma ou outra empada de restos e claro, pão. Pois significa que os seus pecados são pouco mais que a preguiça e o orgulho e claro, o pecado original.

A leitura torna-se cativante, apesar da envolvente, miserável, pobre, suja e violenta, que envolve o leitor num enredo cada vez maior, onde tudo, desde as paredes ao chão lamacento ou ao poço e um balde de mijo, contribuem para uma narrativa que cresce conforme a própria personagem se desenvolve e se empodera. Isto sem esquecer a critica social à nobreza mesquinha e ao poder desenfreado da religião, juntamente com uma opressão enorme conseguida pelo medo e pela ignorância de um tempo tão sombrio e tortuoso, tipicamente medieval, conseguido por cenários de violência que são explorados com uma linguagem extremamente visceral, provavelmente fruto da formação profissional da autora no ensino de teatro. 



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