segunda-feira, 2 de agosto de 2021

"A biblioteca de Paris" de Janet Skeslien Charles - Opinião

 


«Esperança é uma coisa com penas que se empoleira na alma.»
Emily Dickinson

"A Biblioteca de Paris" de Janet Skeslien Charles (Suma de Letras, 2021) capta desde logo a atenção com um primeiro capítulo que oscila entre o nervosismo de Odile, à beira de ser contratada para a Biblioteca Americana de Paris (BAP) e o sistema decimal de Melvil Dewey. É com esse texto entrecortado pelos números da classificação documentária, que ainda hoje se usa (com as devidas actulizações), que a autora cativa por certo qualquer leitor e frequentador de bibliotecas.

Odile é apaixonada por livros e o ambiente que se vive na Biblioteca é precisamente onde ela quer estar, no entanto, decorre o ano de 1939 e a Guerra será uma ameaça a esse cenário idílico de passar os dias rodeada de livros. Ainda antes do conflito estar mesmo às portas da Biblioteca e definir o rumo de cada braçada de livros, Odile descobre que os dias na biblioteca, entre leitores, podem ser tão desgastantes quanto o medo da página em branco.

"Quando cheguei ao fim do turno, a língua desertara. Era como abrir um romance e encontrar apenas páginas em branco."

Nas páginas deste romance são várias as histórias e as mulheres que vamos conhecendo, bem como os seus livros favoritos, que vão desde Jane Eyre, o "Drácula", uma ou outra referência a Ralph Waldo Emerson, passagens de "A idade da inocência" de Edith Warton (uma das primeiras administradoras da BAP) ou o incontornável "Crime e Castigo" e a poesia de Emily Dickinson, entre várias outras referências, no entanto, há uma frase do "De olhos pousados em Deus" de Zora Neale Hurston que espelha bem o que todos os personagens passaram a sentir com a presença alemã em Paris:

"Depois ela engomou e passou a ferro o rosto, moldando-o naquilo que as pessoas queriam ver..."

Que é igualmente uma excelente descrição para caracterizar o rosto de Lilly, a outra metade desta história, já na década de 80, em Froid, Montana, quando a sua vida muda e a saída da adolescência se faz em proximidade com Odile, já viúva e isolada entre livros, memórias e sonatas de Bach. Entre Odile e Lilly nasce uma amizade sediada no amor aos livros, no sabor de cantarolar lições em francês e sonhar com uma Paris lá longe, onde deviam ter ficado as memórias dos tempos difíceis, no entanto, existe a história de uma enorme resistência que não deve ser esquecida, precisamente para enaltecer os livros, mas também o poder da amizade.  

"Senti-me como se estivesse no meio de um globo de neve que alguém tinha abanado, só que as peças lá dentro não estavam coladas no fundo, e tudo girava..."

E giraram, pessoas e livros, corações e cartas. 
Circularam muitos livros, fruto do trabalho das bibliotecárias e da administração da BAP, para irem ao encontro de leitores encerrados em casa, privados das suas colecções, apenas por serem judeus ou de nacionalidade dos países aliados ou até para os soldados na frente de batalha e outros estropiados e acamados em hospitais de campanha, para os quais os livros eram um bálsamo e uma centelha de normalidade. 


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