“A única forma de escrever a verdade é partir do princípio que aquilo que se escreve nunca vai ser lido por ninguém. Nem por outra pessoa, nem mesmo nós próprios, mais tarde. De outra maneira começamos a desculpar-nos a nós próprios.”
Esta é a premissa de «O Assassino Cego» onde Iris Chase
escreve para se confessar, mas não pede perdão. Narrada ao ritmo da sua velhice:
“cada vez mais me sinto como uma carta – depositada aqui, recolhida ali. Mas
uma carta que não é dirigida a ninguém.” Ou é, nem que seja a si mesma,
enquanto se ouve a recontar, detalhadamente os acontecimentos. É uma caça às
recordações.
“Um pássaro vivo não é a mesma coisa que os seus ossos etiquetados”
Nas primeiras cinquenta páginas temos elementos-chave para toda esta narrativa complexa e descritiva.
As mulheres sem língua, inchadas por aquilo que as obrigam a calar, é apanágio da época. Calar as mulheres, casá-las para salvar a honra e as fortunas depenadas das famílias, entregá-las aos conventos ou só à religião… tudo se justificava pelo papel submisso e secundário da mulher numa sociedade onde “havia muitos deuses. Os deuses dão sempre jeito, justificam quase tudo…” ainda assim, a narradora-protagonista, Iris Chase diz que à luz quente de uma chama, quando confrontados com a verdade não somos mais que ossos e “Sabe Deus que ossos roí durante o sono.”