terça-feira, 2 de abril de 2024

«Lições de Grego» de Han Kang - Opinião

Não aprendi grego, mas como se costuma dizer, vi-me grega para chegar ao fim deste romance labiríntico e enigmático de Han Kang. Não chegam a ser duzentas páginas, mas o leitor fica perdido entre as aulas, o mutismo, as ideias complexas, a dificuldade de apanhar o fio à meada. Chega a faltar o ar!

É que as vozes mudam e o leitor tem alguma dificuldade em perceber quem é quem, embora se perceba que o peso do outro e de outras fases da vida sejam tão ou mais importantes que o presente, em que um homem, o professor de grego, está a cegar e uma mulher, a aluna, encerrada no seu mutismo, não toma a palavra. 

Nesse aspecto, a narrativa está bem conseguida, ela não fala e quer sumir-se para dentro de si e da escuridão das suas roupas negras, então a narração é assumida por um narrador que tudo sabe. Que fala por ela.

“A única pessoa que sabia que a sua vida estava violentamente dividida em duas era ela própria. As palavras que anotava na parte de trás do diário contorciam-se por vontade própria, formando frases estranhas. De vez em quando essas palavras metiam-se no sono como espetos…”

No caso do professor, ele quer falar, precisa falar, então é-lhe dada voz enquanto recorda a fuga para Alemanha e o regresso à Coreia do Sul, um pai, uma mulher…

enquanto recorda o amor (e a falta dele), cujas imagens lhe fogem e se desfocam. Ele precisa das palavras, elas recompõem imagens. Uma realidade que se esfuma quando abre os olhos. Repete essas palavras, gravando-as num horizonte que se fecha mais cedo a cada dia. Aqui a metáfora do negativo é brilhante. Ou a das primeiras horas da manhã.

“Já experimentaste caminhar ao lusco-fusco da manhã?
Aquelas horas da manhã em que nos movemos através do ar frio, um pé à frente do outro, com uma sensação real de como o corpo humano é quente e macio. As horas da manhã em que uma luz azulada se infiltra nos corpos de todas as coisas materiais, penetrando nos nossos olhos arrancados ao sono, são milagrosas.”

Como é brilhante a análise que ela faz, desde muito cedo quando o conhece. Observa-o pela lente de quem sofre e reconhece beleza nesse sofrimento:

“A mulher olha intensamente para a cicatriz pálida que descreve uma ligeira curva desde o canto da pálpebra esquerda até à comissura da boca. Quando a viu na primeira aula, pensou que era uma marca deixada por lágrimas antigas.”

«Lições de grego» é um romance de sensações e reconheço a mestria com que a autora nos leva até algumas delas, mas mesmo assim não me conseguiu cativar na totalidade. 

Eles estão cheios de sensações e isso dificulta o relacionamento. Esse lado conturbado e complexo, de quem até chega a magoar o outro, é o que encontramos nas restantes páginas. Não obstante, algumas ideias muito bem conseguidas reflectem a beleza dentro de cada um deles, beleza que parecem incapazes de partilhar, revelando-a apenas para o leitor:

“Se a neve é o silêncio que cai do céu, talvez a chuva seja uma frase sem fim.”

Ou talvez chova dentro deles. Tanto, que apenas podem desejar o silêncio.

“Porque, ao mesmo tempo que o mundo visível teria gradualmente recuado como uma maré vazante, o silêncio que partilhávamos tê-lo-ia paulatinamente preenchido.”

“Desde que perdeu a fala, por vezes tem a sensação de que inspirar e expirar se assemelha à própria fala. Parecem agitar tão corajosamente o silêncio como a voz.”

E talvez seja isso, em pequenos e insondáveis detalhes compreende-se no silêncio, num respeito mútuo e sincero, numa intimidade mais cúmplice do que aqueles que têm ao dispor, palavras e imagens e que lutam com o silêncio. Como se estar em silêncio acusasse uma falta: a de compreenderem que têm tudo.

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