Foi o que aconteceu com «Três» de Valérie Perrin e também por ser um livro que vem com banda sonora e ter música faz toda a diferença.
Ainda assim, para as aventuras de Nina, Adrien e Étienne e claro Virginie 😉 faltaram algumas como, «She lost control», uma ou outra incontornável dos Depeche; ou então, basta colocar a masterpiece dos Nirvana, «Nevermind» e deixá-lo em repeat.
A infância tem o do alcatrão, de uma câmara de ar (…) do desinfetante das salas de aula, (…) da cola que faz fios nos dedos…
A adolescência tem o odor da primeira passa (…) do uísque-cola e das caves transformadas em salas de baile, (…) de restos de detergente numas calças de ganga.
(…)
E depois há o verão. O verão pertence a todas as lembranças. É intemporal. É o seu cheiro que é mais duradouro. Que se agarra às roupas. Que se busca toda a vida (…) O verão pertence a todas as idades”
É com esse cheiro a verão e tardes de piscina, cervejas ao cair do sol e as primeiras descobertas, que mergulhamos nesta história que decorrerá ao longo de mais de 30 anos e que Perrin muito bem engendrou para agarrar o leitor, a querer conhecer mais do Arsène Lupin da cábula, da miúda com os dedos negros do carvão e do miúdo franzino, “um cartucho de tinta vazio” receoso do novo ano lectivo. E é precisamente com o arrancar das aulas e os desafios que isso coloca aos miúdos que nos apaixonamos pelas peripécias dos Três Bês 😉
- Tu és rapariga. Não é a mesma coisa – declara Étiene.
- Porque é que não é a mesma coisa? – admira-se Adrien.
- Porque as raparigas são românticas. Sobretudo a Nina.
- Ela veio-se? – pergunta Nina.
Étiene enrubesce. É a primeira vez que os três falam de sexo. A primeira vez que Nina faz uma pergunta tão frontal, que lhes parece mesmo brutal.
- Não sei muito bem… Mas estava a arfar.
Rebentam de riso em uníssono. Um riso de crianças que já não desejam muito ser crianças. Mas, apesar de tudo, a infância é boa.
Apanhados entre rebuçados e o futuro. Entre as patetices e a mudança de voz. Entre os raios de bicicleta a que se colam pedaços de cartão para fazerem barulho e os sonhos de grandes distâncias percorridas de mota.”
É entre estas sonoridades tão próprias da infância e da entrada na juventude, tão agradáveis recordar que, é-nos impossível não sorrir e sentirmo-nos perto destes três. Mas mesmo sem sentir esta identificação geracional, a escrita e a sensibilidade ao contar que Perrin domina, não deixará ninguém indiferente.
“Até ao dia em que conheceu Nina e Étiene, Adrien era alguém que não deixava marcas no papel. Um cartucho de tinta vazio. Tinha sempre a sensação de ter nascido sem cor, completamente transparente. Até Nina e Étiene, por muito que premissem os botões, a folha de papel permanecia virgem. Nina e Étiene devolveram-lhe os seus cinco sentidos. E mais o sopro. E seguramente a esperança. Eis porque lhes era tão ligado.”
Um sopro e a esperança, é Louise. Tal como são o ar que se respira, uns para os outros, pelo menos até o acaso lhes saquear as ilusões e redefinir as vidas: “por vezes vivemos coisas que imaginámos ou receámos tanto que, quando ocorrem deveras, não as vivemos, ficamos fora dos acontecimentos.”
“O meu corpo está morto há anos. Uma pele que não é tocada morre. Um corpo que não é observado torna-se invernal. As camadas de frio sobrepõem-se. Neves perpétuas. Deixa de haver outras estações. Deixa de haver desejo. Deixa de haver esperança no regresso. Fica imobilizado no passado, fixado algures. Não sei onde. Tem medo. Tenho medo. O meu corpo já não tem presente.”
Parte da beleza deste livro, é ter descrições que, embora sejam de uma determinada fase da vida de um deles, podem aplicar-se a todos, mais tarde ou mais cedo, e esse entendimento de que os três passam por coisas iguais, mesmo a acharem-se totalmente diferentes, acontece perante os olhos do leitor com uma mestria delicada e hábil, acrescentando sempre mais profundidade às personagens. E arrancando uma risada ao leitor.
“Étiene poderia tê-los denunciado, dar um soco a Adrien e um tabefe à sua irmãzinha, mas não fez nada (…). Pelo menos Louise não andava a sair com parvos. E não lhe parecia descabido que aqueles estivessem juntos (…). Sempre calados ou a falarem baixinho, a lerem sem ninguém os obrigar, a nunca perderem as estribeiras, a pousarem os seus olhos de pescada frita sobre a «beleza do mundo».
Boas leituras, minhas pescadas
fritas 😉
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