«Cadente» de Mário Rufino é um livro escrito com coragem — a
de olhar de frente a degradação trazida pela doença e o que ela impõe a uma
relação familiar íntima, na estreita proximidade com o narrador deste relato que
se move entre a contenção e a exposição, entre o silêncio do que já não pode
ser dito e o grito contido daquilo que ainda precisa ser narrado.
No centro está a relação entre neto e avó — atravessada pelo
abandono maternal, a morte, a doença e as memórias de um crescimento atribulado
e claro, por tudo o que se perde com o passar do tempo e um certo abandono
próprio da correria das vidas que divergem.
Há momentos de grande beleza que nos ficam através de frases
lapidadas pela precisão de quem escreve para gravar bem uma ideia no leitor,
mas o texto nem sempre consegue manter essa marca e a tensão, oscilando entre o
esculpido e o tom mais solto, enquanto navega por um rol de memórias, entre nostalgia
e culpa, num acerto de contas à mercê do tempo que ainda lhes resta.
Não é um livro sobre a morte, mas sobre o que sobra de alguém — e dos que ficam — quando a saúde se fragmenta e as estruturas familiares são frágeis e reduzidas ao essencial. A ternura está lá, e o amor também, mas nunca disfarçam a aspereza da perda.
Há aqui uma perda progressiva, do lado do neto: alguém que,
pela força do dia a dia, se deixou perder da avó e que, agora, é forçado a
assistir ao esbatimento da avó dela mesma — e das memórias que carregava e lhe
conferiam uma identidade. Uma pertença.
“O vazio não era o do esquecimento, era o da lembrança.”
Essa frase resume bem o tom do livro: doloroso, mas lúcido, numa tentativa de recuperar, pela escrita, o que já não é possível restaurar na vida real.
Existe aqui uma exposição íntima da vida familiar que nem
sempre me foi confortável de ler, mas que ao mesmo tempo evidencia uma frontalidade
emocional que lhe confere um traço legítimo e que a critica sublinha como uma
narrativa de realismo emocional.

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