E ainda bem que foi o passado que se impôs!
Este livro de Rentes de Carvalho remonta a um retorno do autor às suas origens, ao norte de Portugal, na esperança, a meu ver, vã, mas nunca oca, de relatar o contrabando no nosso país, com as implicações sócio políticas que isso arrasta. No entanto, o brilhantismo que usa ao caracterizar os seus personagens, conferem-lhe um certo romantismo que, a certa altura, nos faz esquecer a verdadeira acção.
Aliás, qual é a verdadeira acção e rumo desta narrativa?

"O presente que me fascinava e eu quisera vis testemunhar, existia como que descolado no tempo, sem as nostalgias de ontem que eu lhe emprestara, nem a simplicidade dos meus sonhos de amanhã."
É o registo sincero e nostálgico que confere força às memórias que nos fazem sentir uma enorme proximidade entre a década de 90 e a actualidade, na forma aparentemente inócua, mas pragmática com que expõe algumas críticas sociais e políticas.
Apesar de curto, é um livro que acompanha o ritmo acelerado de quem retorna, mesmo que por tempo limitado, à terra mãe e a quer brindar com visitas aqui e ali, mas devido à temática da droga expõe ainda outro ritmo, mais cambaleante, mas inesperado, que com o entrelaçar das memórias do autor, nos transportam a épocas diferentes, obrigando-nos a abrandar o passo e quem sabe passear com o autor pelas ruas da memórias e as conversas entre amigos.
Entre amigos, se assim se pode dizer, memorizei dois episódios divinais, o das observações do Diego Romano e o seu Hotel Roma (negócio pra inglês ver) criticando a estrangeirada e apelidando-os de pelintras e alcunhando-os de porcos. Ou outras amizades como o Manolo da Espanhola ou o Feio, com quem se mantinha o adágio de "amigos, amigos, negócios à parte", tal como a farsa popular e o fechar dos olhos ao sustento dado pelo contrabando.

"Terra de gente mexida, em constante alerta, passa-se na rua e todos os olhos nos escrutinam. Sem malícia, mas com uma ponta de desconfiança, atitude típica gerada por séculos de contrabando... (...)por entre hortas descobrem-se uns horrores modernos... Com o tempo aprendi a fechar os olhos para o que mudou."
Na obra, o autor refere-se a Dom Ramón e é nessas que eu revejo a escrita de Rentes de Carvalho:
"No meu íntimo o poder de raciocínio parecia anestesiado, enquanto a minha fantasia e a minha sensibilidade se amoldavam dóceis às palavras daqueles homem, que à postura de verdadeiro líder aliava um dom excepcional de contar."
*
Uma edição da Quetzal, mais aqui: http://quetzal.blogs.sapo.pt/tag/j.+rentes+de+carvalho
O autor em entrevista, mais aqui: http://www.ionline.pt/artigos/jose-rentes-carvalho-miudo-minto-diabo-ninguem-deve-acreditar-mim
Sem comentários :
Enviar um comentário