terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Opinião :: "Quatro Amigos" de David Trueba

Há uma discussão sobre este livro entre a equipa do Efeito dos Livros. A Metade Negra, apreciadora de Trueba, foi quem trouxe o livro à baila quando o tornou uma das suas leituras de verão mas as exclamações que foi fazendo e os excertos que foi partilhando ao longo da leitura cimentaram a opinião de que este livro em pouco se enquadrava com um género que lhe fosse querido, sendo bem mais provável que o meu humor negro e juvenil ou o facto do caracol ser o único homem nesta equipa fossem razões para que a história de “Quatro Amigos” fosse do nosso interesse e víssemos nele algo que a nossa metade negra não encontrou.
Leiam a opinião dela e depois vejam a minha.
Decididamente, embora lido da capa à contra-capa e salvo raras excepções que vou nomear depois, “Quatro Amigos” não encheu as medidas da metade colorida, pelo menos até mais de meio. Talvez o Caracol encontre em Solo, Raúl, Claudio e Blas algo mais que quatro gajos que se queixam de uma juventude fugida aos seus poucos 27 anos, que (mal)conservam entre si uma amizade que se assemelha a uma tshirt velha e puída que se mantém unida por escassos fios de tecido mas ao qual são fieis como cães mesmo quando suam que nem porcos e limpam o vomitado depois de uma noite de loucura velada a álcool e tentativas frustradas de sexo fácil.
Muito duro?
Pois, porque a leitura de “Quatro Amigos” assim o foi (pelo menos até metade).
Esta salvaguarda do “pelo menos até metade” é exactamente o que divide a minha opinião em dois pólos opostos. Se por um lado, aquele que se prende pelo facto de ser mulher e da mesma idade que as personagens me faz considerar Solo, Blas, Claudio e Raúl uns perfeitos idiotas, temos o outro lado, aquele que, como estes quatro amigos ainda se vê como uma alma louca, aprisionada às responsabilidades que por vezes deseja mandar às urtigas e que jura querer manter aquela liberdade vital dos momentos fugazes entre amigos e copos. Esse lado, o da alma louca, em medida de comparação com estes quatro muito menos inconsequente, idiota ou armada aos cucos, consegue perceber o que apenas Solo (e em certa medida Raúl, o casado e pai de filhos) percebe no fim, que as amizades sofrem os seus abalos, que por vezes são remetidas a um canto mas que mesmo perante a presença de um amor, um casamento ou dois gémeos que berram a plenos pulmões, mesmo perante o decurso tradicional da vida, se tivermos a sorte de o ter, mesmo assim as amizades estão lá. Podemos ter tudo, não em pleno nem tudo na perfeição mas sim, podemos ter de tudo um pouco se estivermos predispostos para tal, caso contrário, sozinhos vamos acabar os nossos dias.

“Quatro amigos” fala de amizade, amores perdidos, do “ele nunca foi amado em pequeno” e se quisermos filosofar sobre quatro almas perdidas, do inconformado que foge da felicidade, do playboy que abomina os sentimentos à excepção do amor que tem ao cão, do gordinho eternamente na friend-zone e que vai quase sempre para a cama com as mulheres que conhece e o outro, o casado e pai de filhos, que tenta trepar por qualquer rabo de saias porque a mulher lhe nega os gostos kinky anteriormente partilhados…
Salvação?
Nunca a pensei encontrar para este grupinho, nem para o livro mas a verdade é que na terceira e última parte, o livro foi reanimado através de técnicas de primeiros socorros e de um velho amor, aquele perdido, aquele que julgávamos não quer mas que foi sempre o que de melhor tivemos na vida.

"Fracassa o quanto antes, porque assim terás tempo na vida para te recompores"

Para mim o ponto alto foi o reencontro com Bárbara, esse amor que ficou pelo caminho. Solo, assim como muito boa gente, ficou preso a um amor que teima em revisitar como quem sem prende de amores pela casa onde um dia foi feliz mas que agora tem outros inquilinos, que deixa felizes outras pessoas enquanto nós só a vemos por fora, ao frio e à chuva já tão longe do seu calor.

"..a nossa paixão incómoda, era um amor dos quinze anos, interpretado por pessoas sete anos mais velhas, mas um amor adolescente. Talvez seja o único amor possível"

O outro ponto alto, para mim, é Estrella. Hilariante a sua presença e o seu espírito. Humor sem recorrer à asneirada dos quatro amigos. 5 estrelas!
O último ponto extremamente positivo prende-se nas notas do Escrito em Guardanapos que vamos apreciando ao longo do livro, tão certeiros no encerramento de momentos chaves. Solo transborda um sentimento nessas linhas que nos oculta ao longo de quase todo o livro e talvez por isso, agora que li o livro todo, não o consigo detestar, não consigo falar mal e no fundo, até apreciei a leitura por mais vezes que tenha revirado os olhos perante os acontecimentos, os clichés e as atitudes à laia de feios, porcos e maus. Confesso, tive momentos em que desejei lançar o livro à parede mas estes quatro eram tão cabeça dura que tive receio de partir as paredes velhas da minha casa.

"Às vezes penso que o cérebro tem inveja do coração. E maltrata-o e ridiculariza-o e nega-lhe o que deseja e trata-o como se fosse um pé ou o fígado. E nesse confronto, nessa batalha, perde sempre o dono dos dois" - (Escrito em guardanapos, pg. 194)

Relendo a Opinião da minha metade Literária, mulher e com muito menos paciência para tretas que eu, compreendo porque mencionamos dois pontos comuns, o da presença destas duas mulheres na jornada e vida dos personagens, assim como os escrito, que para nós, pelo menos, para mim, esses são os pontos altos do livro mas venha de lá uma opinião de homem. Estou curiosa para ler! 

E enquanto lia “Quatro Amigos” era isto que tocava na minha cabeça

1 comentário :

EfeitoCris disse...

ai se esses 4 soubessem que as nossas férias são bem mais loucas e as nossas carripanas, barracanas muito mais à frente!

concordo contigo que um olhar masculino poderá interpretar outros pontos, ainda assim talvez fiques surpreendida... mas logo veremos.

quanto aos escritos de guardanapo, alguns sofriam de demasiada simplicidade e transparência, como um guardanapo...

enfim, espanta-me que tenha, tão depressa, voltado a Trueba e melhor, ter ficado fã. Saber Perder foi uma evolução extraordinária. Falta-me ler aquele de que todos falam bem, ou melhor apontam, como o melhor dos melhores!

ABERTO TODA A NOITE!!!

Talvez seja um bom livro para começar o ano.

Entretanto, a ver se vejo o filme com argumento do Trueba que esteve no Cine Fiesta deste ano.