Em «O luto de Elias Gro», um homem procura a solidão, mas encontra em pessoas singulares todas as razões para não se refugir na frieza das paredes redondas que o abrigam, que lhe devolvem os pensamentos que ele mais quer afastar, Numa ilha isolada e que resiste a diversos sofrimentos, também outras pessoas procuram esquecer o que mais os atormenta. Mas como conseguirão todas estas pessoas conviver com o sofrimento alheio? Falando, desabafando ou simplesmente continuando e tendo, indirectamente, acções, umas mais involuntárias que outras e que salvam, salvam os outros de si mesmos e da sua profunda dor e depressão.
"(...) era isso que eu mais desejava: cancelar as palavras que, em liberdade, sussurravam às palavras seguintes, até formarem uma teia que se urdia em meu redor, cada palavra segregando, na sua esteira, o fio que a unia à palavra seguinte (...)"
Na verdade, João Tordo não silenciou as palavras, tornou-as só taciturnas, sós, guturais e meio abandonadas. Foi isso que ele fez. Cancelou a vida do narrador, de Elias, de Cecília, de Alma e de vários outros, num arquipélago esquecido no tempo. Embora as palavras pudessem ter vontade de silêncio e angústia, o lugar em si, incitava-os à comunicação, à partilha e a uma menor solidão.
João Tordo traz-nos um relato de dor, de sombras, num ambiente húmido, revolto e abandonado.
"Os meus olhos buscavam-no por toda a parte, e o mundo não mo devolvia. Cheguei a odiar todas as coisas, porque nada o continha."
Palavras de Santo Agostinho para tentar aquietar a inquietação e a busca incessante por algo maior, por algo que apaziguasse a ira e a dor, a ausência e a morte. Que do céu ou de outro lado, viesse a salvação ou o inferno, mas viesse algo que os salvasse.
"Uma intempérie é uma necessidade de revolta dos ventos. Uma ilha é um excesso de terra com nome."
Resultado de que excesso serão estas personagens? Ou de que excesso são feitas as mágoas e a dor que os consome? Que dores intermináveis são estas que os corrói sem clemência?
"Por alguma razão Noé construiu uma arca na forma de um barco. (...) Já nesses tempos se sabia que a água, que é vida por dentro quando a bebemos, corrói tudo por fora."
As lacerações do passado tem vindo a afundá-los, enraizando-os no medo. Bruscamente presos às memórias estas personagens sentem demasiado o passado e negligenciam o futuro, talvez o único elo com aquilo que possa ser um objectivo, uma centelha de esperança, seja reerguer a casa das águas.
"Deixou também a solidão que se instalara desde que possuía o dom da memória, a convicção invencível de que era, ele próprio, uma ilha. Não deixou de ser uma ilha; contudo, ao habitar uma, a solidão apresentou-se-lhe como o único modo de vida, desintegrando-se neste e permitindo-lhe sobreviver naquele mundo confinado por fronteiras delimitadas por um criador ausente."
Ausente, mas Deus está a 2km!!!
Talvez este seja um relato de procura pela fé e pelo caminho a percorrer, mesmo sem grandes certezas, aceitando, confiando e negociando a perda de ingenuidade sem que a solidão ou a mágoa nos corroa totalmente.
"Tal como Elias (...) procurava a fé; essa palavra que significa tudo e não significa nada, (...) que transforma os homens, mas deixa intacto o mundo."
Uma leitura com o apoio COMPANHIA DAS LETRAS
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