quarta-feira, 16 de março de 2016

«Céu Nublado com boas abertas» de Nuno Costa Santos :: Opinião

É com um título meteorológico que chegamos até este primeiro romance de Nuno Costa Santos, ou do marginal ameno que gostava de imigrar para o seu país, Portugal. E em Portugal continuamos, mais propriamente num retorno à insularidade açoriana, relembrando-se a si e ao avô materno.

"(...) se tiver um descendente que se interesse pela escrita, peço-lhe para ir a São Miguel e trazer no regresso um conjunto de histórias do presente da ilha."

É então em busca desse presente e como neto que o autor recorda a vida, e um livro, escrito pelo avô, João Pereira Costa e volta ele mesmo a São Miguel cumprindo esse desejo expresso nos escritos que encontrou na casa dos avós maternos. Após o périplo açoriano, o próprio autor termina com o mesmo desejo e deixa-o expresso neste seu livro.

"É a minha vez de me expor, de contar histórias, de as cruzar comigo, o meu modo de ser, as minhas contradições e alterações de humor. De escrever um livro que um neto um dia encontrará e com o qual poderá tentar dialogar."

A presença da meteorologia passa do título para a prosa, na constante alteração de humor e na forma ágil como a narrativa flutua, tal como acontece com o tempo na ilha. Podemos dizer que os períodos de sol são as peripécias hilariantes que acontecem ao narrador consoante as amizades peculiares que vai fazendo. Revelando de forma amena e muito disfarçada um certo tom de critica social, já comum nos seus textos. Depois deparamo-nos com algumas nuvens, uma promessa de chuva fraca, que ameaça arruinar o nosso dia, quando nos são revelados detalhes da doença do avô, mas rapidamente uns novos raios de sol fazem as tais boas abertas, com uma segunda voz narrativa, ouvindo uma prosa de outra época, de outro livro que completa e dá continuidade a este.

Eu diria até que este envolvimento atribulado, com um lado familiar, um outro cultural, uma pitada de surreal, dois livros dentro de um e ainda um roteiro de quem viaja nas memórias e na ilha, traz um lado um tanto esquizofrénico ao relato e só assim pode ser encarado, para se apreciar a divagação que aqui se lê.

"Trago um perfume de memória no pensamento, mas não é definido - é uma coisa em forma de assim, como dizia Alexandre O'Neill. Se tivesse um cigarro fumá-lo-ia. Talvez o fumo por cima da minha cabeça me ajudasse a perceber esta passagem abstracta do tempo. (...) Um desassossego de poltrona - a imaginação de um ilhéu entre a insónia e a vigília."

Em forma de assim, vigilante mas desassossegado, o homem que parte em busca de algo na volta à sua ilha, vê-se enredado num absurdo... bem num absurdo não, que absurdo neste livro é outra coisa... o autor, narrador, personagem, vê-se perdido entre sentimentos aflitos, que buscam apaziguamento e decisão, no entanto, o céu está nublado e a dualidade habitará sempre, arrisco-me a dizer, o Homem que busca o sentido da vida.


Uma edição QUETZAL

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