sexta-feira, 4 de março de 2016

«Romance» de Helder Macedo - Opinião



Tento compreender a escrita de Helder Macedo, lendo sobre o mesmo. Leio que a sua obra é pouco acarinhada em Portugal, mas largamente estudada no Brasil. Efectivamente não é fácil ler este escritor poeta que ao longo deste extenso poema nos relata um romance complexo e cheio de encruzilhadas, partindo do poema renascentista de Bernardim Ribeiro, incluindo partes do mesmo neste seu «Romance»


Não é de fácil compreensão a torrente de ideias, de supostos diálogos, de amores e desamores vividos por quem se encerra nas palavras que compõem este romance em forma de sonho, mas até do sonho duvidamos, tal como duvida de si mesmo o personagem, o narrador e as palavras com que compõe este amor pessimista e fatal, fazendo o leitor nunca ter a certeza do que lê.

"sem aquela ilha
sem a menina de tempo antigo
a dizer-lhe
ou ele a dizer-se
como se fosse ela a dizer
no sonho
entre as duas margens da estrada
como um rio
em construção"


Em construção fica também o texto, que ora se monta em desejos claros, ora se desmonta em duvidas e pensamentos sombrios, de dois enamorados, um, talvez mais inexperiente que o outro... numa constante questão sobre de quem é o sonho que sonham, se é que sequer sonham...

"fosse uma fantasia solitária
não uma mudança acontecida
não a metamorfose
desejada
(...)
do amor desabitado
no silêncio"

Obscuro, hermético e labiríntico, é assim que consigo sentir e ler a narrativa desconexa de Macedo, percorrendo o rio que acompanha a acção, tentando contornar as duvidas que ficam em nós, leitor, mas sedentos de querer perceber se este amor se consumou, se foi real, se ainda há amor, se a violência das palavras e a frieza intermitente escondem uma verdade violenta, abusiva... uma verdade dura que só um poema a tornaria mais aceitável, mais bela e logo menos verdadeira?!?

Mais para o final, intensifica-se a ausência, a fuga e todo o desencontro, o silêncio e as direcções opostas, ainda assim, há o passado que trilha o futuro, num futuro que não pode existir para vidas que ainda não se podem viver ou que foram vividas sem terem tido vida...

"um poema de silêncio
um romance que fosse
o que nele não fosse escrito
um olhar a olhar um olhar
a olhar em direcções opostas"

*
Helder Macedo em entrevista no I e na RTP

Um livro Editorial Presença

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