Os mutilados é um livro que marca pela diferença, é um livro desconcertante, cheio de personagens que não parecem reais, personagens que mexem com os nossos sentimentos, que quase nos obrigam a gritar com elas para ver se estão vivas, se reagem, já outras são completamente asquerosas e revoltantes, e ainda temos aquelas que não conseguimos definir, que se encaixam num limbo e das quais não sabemos bem o que esperar.
A narrativa de Ungar é de tal forma viciante que quase entramos no delírio/paranóia da personagem principal.
O autor consegue fazer uma critica duríssima à sociedade da época, não escapando ninguém, nem religiões, costumes, o status do trabalho, a sexualidade, a moralidade... tudo! Talvez fosse esse não deixar nada de fora que lhe tenha valido o ser banido, vendo o seu livros nos livros proibidos do regime nazi.
A personagem principal é essencialmente perturbada, enfrentando as mais difíceis adversidades da vida, mas também porque luta contra si próprio, o que o vai deixando num vortex de emoções que o impedem de ser normal.
No entanto, a normalidade é algo questionável e ainda o mais devido às restantes personagens.
O autor rodeia o empregado bancário de outras personagens, todas elas mais ou menos loucas, temos uma viúva gorda promiscua, um amigo inválido com laivos de tirano paranóico, os amigos do trabalho que o acham invisível, um talhante com complexos religiosos, a mulher do inválido com dúvidas existencialistas... e dramaticamente tudo vai ter a polzer, oprimindo-o, instigando-o... até à exaustão.
Julgo que o livro é intemporal, pois mudando alguns costumes e temas de época, pode ser transportado para a actualidade, ainda assim, as atitudes e os dramas seriam bizarros e complexos. As personagens conseguem ser imortais, pois facilmente conseguiríamos atribuir a Polzer distúrbios maníaco depressivos tão na berra e facilmente conseguiríamos converter o enfermeiro num pastor de alguma seita evangelizadora dos nossos dias.
Mais ainda, o livro é dúbio o suficiente para cada leitor experimentar sensações diferentes e retirar conclusões muitos díspares, dependendo das explicações que cada um de nós vai "arranjando" para completar certas coisas que ficam por ser ditas ao longo do livro.
Gostei muito que tivessem colocado o ultimo capitulo "extra", pois é como se tivesse lido dois livros, deixando em aberto sobre aquilo que se passaria na cabeça do autor e outro mais fiel à imagem de cada leitor... ou do que esperaria.
Uma edição E-PRIMATUR
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