quinta-feira, 8 de junho de 2017

«O leitor do comboio» de Jean-Paul Didierlaurent :: Opinião


Viajar neste comboio foi uma aventura literária muito agradável. Confesso que até passava a andar de comboio, nem que fosse uma vez por semana, à turista, só para ouvir tal leitor, que com as suas leituras, alegrassem a viagem dos mais madrugadores. 

"Ao nascer do dia, esbarrando contra os vidros embaciados, o texto derramava-se da sua boca numa longa fiada de sílabas, entrecortadas aqui e ali de silêncios, nos quais se engolfava o ruído do comboio em movimento. Na opinião dos passageiros que viajavam na composição, ele era «o leitor», um tipo estranho que, todos os dias da semana, lia em voz alta e inteligível as poucas páginas que retirava da maleta. Tratava-se de fragmentos de livros sem qualquer relação entre si. Um excerto de uma receita podia acompanhar a página quarenta e oito do último Goncourt (...)"

É assim, página a página, entre folhas soltas, condenadas à destruição na Coisa, uma Zestor, uma máquina quase de guerra que triturava toneladas de livros e que ia destruindo a pouco e pouco sonhos e esperanças dos funcionários que operavam com ela. De quase todos, de outros disser-ia que até tinha prazer em tal destruição. Guylain e Giuseppe, combatiam a Coisa, já Brunner até salivava para ser o dia em que iria pressionar o botão. A chefia também não era a melhor, antes pelo contrário, era uma pessoa que latia, berrava, invectivava e urrava. Nada de novo!

"Quando Giuseppe preparava uma refeição, era a Itália inteira que lhe tombava no prato. (...) A sobremesa, que consistia de um prato de amaretti crocantes acompanhados de um copo de limoncello caseiro gelado no ponto, era pura felicidade. Conversavam de tudo um pouco, reconstituíam o mundo. A Coisa aproximava-os intimamente - uma proximidade que só a guerra de trincheiras é capaz de conseguir entre soldados que partilharam o mesmo buraco de obus."

Um obus ainda maior foi o encontro inesperado de Guylain com uma pen. E a partir daí as suas leituras tomaram outro rumo. 

"A pen entrou na vida de Guylain Vignolles por mero acaso. (...)
Desapontado, Guylain contemplou o ecrã de dezanove polegadas. A pen abria para um vazio. Perdida no meio da imensidão luminescente, a única pasta tinha o nome pouco significativo de «Nova Pasta» (...).

Pouco significativo não foi de certeza e o certo é que a vida deste leitor assume novos contornos, aquilo que lia caminhava com ele lado a lado, diariamente, até se tornar insuportável de guardar só para ele. 

"Gosto de imaginar que amadurecem durante a noite, esses escritos, como massa de pão deixada a levedar, e que vamos encontrar na manhã seguinte inchada e odorífera."

Deixo então a levedar a curiosidade, que aumenta o entusiasmo de Guylain por esta escrevedora, Julie, que segue uma filosofia de tialogismos de trazer pela retrete. Estranho? Nada disso. Divertidíssimo assim que apanhar este comboio. 

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