"Ela esforçou-se por executar o primeiro movimento. (...), sabia que precisava de se apressar porque o primo tentaria entrar no seu espaço e ela não lhe desejava fazer mal, só matá-lo o que pouca importância tinha, já o vira morrer antes.
(...) Uma mão oferece-se à outra mão, intimidade que a levou a contorcer-se ligeiramente, um indecente formigueiro misturado com o medo de lhe tocar, de a porta de abrir e ele a possuir. (...) Quer e não a quer. Amar o que nunca será consumado é o seu campo de batalha, a sua especialidade e conforto, um amor não correspondido. (...) Há muitas maneiras de sobreviver quando a vida parece um poço. Sofrer é uma delas (...)"
Sofrer é uma das palavras de ordem neste «A Queda de um Homem». Um homem e uma mulher que em todas as suas potencialidades, mas também em todas as suas formas defeituosas de viver e sofrer, são palco e metáfora para todos nós. Um romance em que a sua estrutura desafia a resiliência do leitor em ser constantemente baralhado, chocalhado e posto novamente no caminho para tentar compreender quem busca compreensão e confundindo-se nas suas próprias preocupações. Este primeiro romance de Luís Osório é como uma descida aos confins dos pensamentos de cada um e um vir à tona com tantas ou mais dúvidas que pautam os dias de quem se questiona e busca um sentido para a vida.
"(...) A marcha acelerada do comboio disfarçara o descabido ruído de que nunca mais se lembrara. A hipótese de existir uma outra carruagem, as feridas cicatrizadas, o vendedor de botões, a maneira como cortara um homem às postas, as pessoas lá fora, a visão do apocalipse, o anão que era gigante (...) A prima condenara-o a morrer dentro de um sonho. (...) Há força de tanto fantasiar talvez tenha criado uma maneira de penetrar nos sonhos dos outros."
Se pensarmos no comboio tantas vezes referido neste livro, como uma metáfora para o que se apanha
e o que se perde durante a vida, possamos perceber o jogo confuso com carruagens que o homem vê e deixa de ver e outras que não sabe se existem. Tal como tantos acontecimentos na vida. E o sonho, que impacto tem o sonho nos nossos dias? Se à força de sonharmos muitas vezes formas capazes de viver dentro do sonho ou transformá-lo em realidade? Será assim? Será essa parte da mensagem que acompanha a decadência destes dois personagens?
Por outro lado, esta prima, esta mulher meio enigmática e "aleijada", presa a uma cama, tem o dom de escrever, criando histórias, o que leve a leitor a pensar no papel do escritor e do quanto as histórias que os livros encerram podem contribuir para a reinterpretação da vida e dos dias, que atrás uns dos outros, se somam e seguem e por vezes nos comem os significados que buscamos.
“Um escritor inventa histórias, especula com as palavras e faz nascer vidas que antes de as pensar não existiam. Um tempo difícil para os escritores, a maioria exige carne e o osso, coisas que a televisão torna reais, sangue a sério. Uma ironia. Porque é no tempo em que tudo parece virtual e volátil que se exige que tudo seja implacavelmente real. Ser escritor é não capitular a tal mentira, é recusar escrever a partir da realidade (o lugar em que a verdade melhor se esconde).”
Percebemos ao longo da leitura, que exige e espreme o leitor, a ironia latente em toda a narrativa, já que é difícil, se não impossível, descortinar quando é realidade ou sonho, quando a personagem vive ou habita o sonho, e se o seu ou o do outro. Este estranho real que se confunde e esconde as verdades dos personagens, terminando sem que o leitor compreenda ou possa afirmar, com certezas, tudo o que aconteceu naquilo que acabou de ler.
Um livro TEOREMA.
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