sábado, 12 de setembro de 2020

Opinião "Os rapazes de Nickel" de Colson Whitehead


Com a chegada do correio, o pouco que ainda vamos recebendo por estas paragens, segue-se sempre a divisão dos pães literários entre as duas metades que compõem esta casa. “Os rapazes de Nickel” é, sem sombra de dúvida, uma leitura que figura do lado da metade negra mas por vezes, há livros que chamam por nós e no qual pegamos sem saber o que vamos encontrar ou o quanto o seu conteúdo se encaixa no que habitualmente gostamos de ler.


Baseado no caso real de um reformatório mascarado de escola, palco de segregação e incontáveis horrores, “Os rapazes de Nickel” começa com a descoberta, anos após o fecho e venda das terras, de corpos mutilados e campas anónimas nas imediações do local. Durante décadas de funcionamento, as queixas de violência sempre pairaram sobre a instituição como uma sombra mas nunca se fez justiça, nunca se lutou por quem lá pereceu. Quantos miúdos morreram assim? E quem não morreu, como levou a sua vida dai para a frente?


“Era aquilo que a escola tinha feito aos rapazes. Não acabava após a saída dos alunos. Amassava-os de todas as formas, deixava-os bem danificados e incapazes de te uma vida decente" 


E é assim que ficamos a conhecer Elwood Curtis, um miúdo inteligente com um futuro que tinha pernas para andar mas cujo tom de pele e a década em que nasceu, o colocaram num mal entendido que ainda hoje muda a vida de muita gente. A passagem pela Nickel, mais que um solavanco na estrada, altera por completo o terreno palmilhado daí em diante por Elwood e por outros que como ele viveram os horrores perpetrados por quem seriam os seus cuidadores. Há imagens que não se esquecem, sons que retesam todo o corpo mesmo anos depois e há cicatrizes, físicas e emocionais, que nunca saram. Como é possível sarar uma ferida que continua a sangrar? 


É impossível não sentir um arrepio na espinha perante o que o nosso imaginário vai criando com as descrições de Whitehead. Ele coloca-nos lá, mesmo sem sequer fazermos ideia do que poderá ser um inferno assim.


Onde me falta o brilhantismo na minha opinião, coloco o que roubo à divulgação do livro para vos sugerir a leitura desta novidade.


“Um romance de brutal impacto emocional. Uma obra literária que exibe a pujança de um escritor em plena forma, que explora a ferida aberta da segregação racial e levanta uma poderosa voz contra a injustiça” 

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