“Não podemos pôr nada inteiro, mas no meio dos pedaços temos uma visão enovoada do que existia antes (…)”
Enovoada surge-nos uma mulher, Teresa, uma Agatha Christie que se reinventa, embora seja uma mulher cheia de pensamentos intermitentes e dúvidas. Ela foge, sem dizer muito bem do que foge. Talvez para um último amor, talvez para se reinventar e se amar a si mesma, uma última vez, por isso nos diz: “Há um tempo para as últimas coisas, o último relógio de pulso, a última gabardina, o último cão, o último amor. A última beleza intermitente. Por vezes é assim que penso naqueles onze dias. A última vez que fui bonita.”
Talvez um amor platónico. Sabemos que havia um homem; «nota-se na boca» diz-nos ela a determinada parte. Seria uma antiga paixão? Uma paixão sempre capaz de se reacender, como as boas histórias que «começam uma e outra vez, mesmo depois de já termos ido embora.”
Ficamos na dúvida, mas supomos que essa é claramente a intenção da autora, o seu traço característico, o de criar «alguém que pudesse habitar», reescrevendo-se como um poema cujos versos andam soltos e só se unem dançando. É preciso dançar, embalar e namoriscar a noite, pois «nada é seguro. Uma manhã podemos acordar num quarto de hotel, e não encontrarmos a nossa personagem». Há um medo em perder-se de si e não mais se encontrar ou encontrar-se sozinha, quebrada, já sem ninguém, já sem nada que a ponha inteira de novo.
«O Atelier de Noite» é um livro carregado de fragmentos e incertezas, mas que transparece uma preocupação: um medo enorme pela desordem do que pode ser o fim, quando se esgota o que a caracteriza e lhe dá sentido. As camadas.
É um romance que vive mais de forma do que enredo, é cheio de referências e fluxos de consciência, mais do que de uma história concreta, com princípio meio e fim, mas até nisso cruza bem com a personagem de Agatha Christie, que queria fugir desse registo, já que o policial, por norma, mesmo que enredado, negro e complexo, tem uma estrutura regrada, expectável e testada. Por isso, a ideia de Ana Teresa Pereira em cruzar um episódio verídico ainda sem uma explicação concreta (facto que eu desconhecia) com esta possibilidade também ela pouco nítida e que casa muito bem com o “desfecho”: o escritor escreve sempre a mesma história e de tanto escrevê-la haverá de acertar, quase como se isso corrigisse a vida
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