ENTREVISTA
O livro de Bruno Araújo foi-nos dado a conhecer directamente pelo autor e com imenso gosto estabelecemos parceria para divulgar um trabalho diferente e bastante pessoal.
Por isso, aqui fica a entrevista para conhecermos e entendermos melhor o que afinal tais cartas nos dizem.
Entrevista a Bruno Araújo, autor de CARTAS QUE FALAM - Chiado Editora
Efeito dos Livros - Bruno, este é sobretudo um livro escrito com raiva? O narrador e personagem principal escreve e transparece todo a sua raiva e revolta. O amor, o carinho, a dedicação... que ele tanto reclama à vida que lhe foi madrasta, não se vê (muito) nas suas palavras - é propositado? Que mensagem queres transmitir?
Bruno Araújo - Sim, é escrito com uma enorme revolta de quem sempre a noção da verdade da sua vida, mas cuja voz de protesto, por uma razão ou por outra, nunca foi válida nem junto da sua família mais próxima nem de vários médicos terapeutas. Sim, com excepção das cartas dirigidas ao avô materno, em que há um enorme amor e gratidão por tudo o que essa pessoa fez na sua vida, temos cartas carregadas de irreverência, inconformismo, revolta, ódio imenso, de alguém que se sente enganado e traído por não ter tido o reconhecimento de que muito do que dizia era efectivamente válido.
Efeito dos Livros - Posso arriscar que a tua mensagem vai no sentido, sentido esse sem retorno, de que quem é pouco amado, estimado e acompanhado ao longo da vida, em especial pelos progenitores, desenvolverá naturalmente uma raiva e revolta tão marcantes?
Bruno Araújo - Sim, e arriscas bem (risos). Temos, de um lado, um pai que nem amigo sabe ser, infligindo uma violência psicológica e física brutais, e por outro, uma mãe sem auto-estima, e que busca no suposto “amor” ao filho uma forma de se proteger a si mesma, sendo demasiado obcecada e proteccionista na sua conduta. Aliás, a passividade do lado materno, ao alimentar uma imagem errada do filho para o exterior, completamente deturpada, conduz a que ele se vá revoltando contra quem esperava que o defendesse nas alturas decisivas.
Efeito dos Livros - A repetição e a ênfase dadas a certas expressões, sentimentos e episódios são uma catarse para o protagonista? Ou, mais uma vez é propositado para passar alguma mensagem?
Bruno Araújo - Eu diria que é um pouco de ambas. A escrita destas cartas carregadas de sentimentos revoltosos é uma catarse, uma forma que o protagonista encontra para se libertar e comunicar com as pessoas que, de uma forma ou de outra, o marcaram na sua vida. A mensagem é a de que quando se chega aos 30 anos e se descobre que a vida que vivemos é uma autêntica farsa, e que todos os eventos que passámos têm uma relação causa-efeito associada a quem menos se espera (família), é altamente revoltante, frustrante, e triste.
Efeito dos Livros - A forma como o livro está dividido apela a que comecemos a entender que desde cedo ou até, desde sempre, a vida do Filipe não foi uma vida fácil, queres levar o leitor a prever que o que acontecia da escola era inevitável?
Bruno Araújo - Exactamente. Há muito que cheguei à conclusão que na vida nada é por acaso. O Filipe é uma pessoa que foi concebida para falhar, senão vejamos: sofre de violência doméstica em casa, sofre de “bullying” nas escolas, vive sob uma imensa pressão de ser o melhor aluno, e como corolário lógico não consegue desenvolver uma grande auto-estima e auto-confiança, tendo como consequência as suas dificuldades nas relações com os amigos e com o sexo oposto. Além disso, a cultura de medo que o pai lhe inflige começa a toldar-lhe de fobias, que aos 20 anos começam a manifestar-se através de crises de ansiedade e ataques de pânico. Apesar de todas estas condicionantes de adversidade, o protagonista dá-nos uma grande lição de vida: segue um percurso académico impressionante e imaculado, que é onde aplica todas as suas forças que (ainda) lhe vão restando, sendo uma forma de mostrar ao Mundo que é alguém com muito valor e que merece mais atenção e respeito.
Efeito dos Livros - Extrapolando da ficção mas pensando na realidade que foram os anos 80 e 90 nas escolas portuguesas, achas que era dada a devida atenção às situações de bullying?
Bruno Araújo - De maneira nenhuma. Na altura o bullying era confundido com “brincadeiras entre colegas”, tudo era normal, e vivia-se numa aparente harmonia no meio escolar. A título de curiosidade, de acordo com pesquisas que fiz, a maioria dos casos de bullying nas escolas tem origem em famílias onde predomina a violência doméstica e/ou onde escasseia o amor. Actualmente, e para minha satisfação, já existem associações contra este flagelo, o que me enche de satisfação, pois são um “porto de abrigo” para muitos jovens que continuam a ser vítimas dele.
Efeito dos Livros - Seja nesses anos ou até mesmo no agora, como vês que a temática da agressão e discriminação e até, mais marcadamente, com o ciberbullying são tratadas na sociedade actual? Vês que um livro como o teu possa ser útil, uma ferramenta de trabalho para pais, educadores... sociedade em geral?
Bruno Araújo - Penso que a nossa sociedade ainda não se apercebeu da real dimensão e gravidade que este tipo de situações pode causar numa pessoa que sofra delas. Estamos a falar de uma possível perda de uma vida, porque vários jovens não aguentam a pressão de viver nestes moldes e acabam por se viciar na droga, no roubo e delinquência, e, em última instância, acabam por se suicidar. Se este livro servir para ajudar muitas pessoas que sofrem deste tipo de dramas a não se sentirem sozinhas e a redescobrirem 1001 motivos para viver e lutar por uma vivência feliz, então valeu a pena ter-me metido nesta “aventura”. E isso, só por si, vale mais do que qualquer dinheiro no Mundo.
Efeito dos Livros - Mais ou menos a meio, na segunda parte/carta IV (até antes...), levantas uma questão que a meu ver é muito importante - o papel dos terapeutas, psicólogos e psiquiatras - a forma como é descrito chega a ser (é) alarmante - é mostrada muita descrença relativamente ao trabalho desses profissionais - pelo menos numa fase inicial e primeiras tentativas?
6.1 - Podemos dizer que sem terapia nunca teria renascido? A Susana foi realmente o advogado do diabos, aliás dos diabos que trazias no corpo e na mente?
Bruno Araújo - Não, não me parece que sem ela teria conseguido renascer. O Filipe é uma pessoa tão sofrida que só com a ajuda de uma terapia poderia recomeçar uma nova vida. Eu diria que a Susana não só foi o advogado dos diabos, como uma autêntica exorcista de muitos fantasmas (risos). De facto, a forma como abordei os terapeutas é polémica, pois é extremamente grave que após anos de vários terapeutas (manipulados por dois pais desequilibrados), nenhum deles tenha chegado à conclusão que a origem da ansiedade do Filipe se devia ao ambiente familiar em que vivia desde sempre, e que jamais seria a solução mas sim o problema – denominado em Psicologia como o “Paciente Identificado”, como o membro de uma família disfuncional que foi inconscientemente seleccionado para representar os conflitos internos da família com o objectivo de desviar e manter a atenção focada num elemento que se encontra fora da sua zona de conflito. Chegado aos 30 anos, conheceu a Susana, uma terapeuta que acabou por dar razão a muitos protestos tentados junto de outros médicos e de toda a família, com a coincidência de ter sido a única terapeuta que os seus pais não visitaram. Gostava apenas de realçar que este livro não é um ataque aos terapeutas, mas sim uma chamada de atenção para a comunidade de Psicologia e Psiquiatria, pois casos destes não se devem/podem repetir. Afinal, bons e maus profissionais há em toda a parte.
Efeito dos Livros - O protagonista descreve as relações e o amor como uma necessidade, um anseio - acreditas que a maioria das pessoas que sofre maus tratos, que é vítima de uma série de anos de violência incompreensão... Entre toda a negatividade que descreves - enfim para quem a vida é muitas vezes desprovida de amor... Será que essas pessoas procuram o amor, despejadamente? Vazio de sentimento, já que é esse o sentimento que lhes faltou? Será por isso que as relações falham? Que acontece, a tal frieza de que também falas?
Bruno Araújo - Penso que essas pessoas, que nunca souberam verdadeiramente o que é o amor vivido de forma saudável, vêm-no talvez como os nossos navegantes quando chegaram ao Brasil ou à Índia: estão eufóricos por descobrirem um novo território, mas por ser desconhecido não sabem muito bem como agir. Não creio que o busquem despejadamente. Creio que muitas procuram ser compreendidas, o que não é fácil, porque do outro lado há alguém que pode ter tido vivências similares, ou simplesmente as circunstâncias da vida não serem favoráveis nesse momento. Um dos pontos importantes que pode decidir o sucesso de uma relação é o facto de as pessoas, no início da mesma, deverem ser sinceras quanto aos objectivos de vida (se querem ter filhos ou não, se acreditam no casamento, etc). Muitas vezes são politicamente correctas, e esse preciosismo depois paga-se caro, quase sempre.
Efeito dos Livros - Na ficção, no livro, o Filipe apaixona-se com facilidade - será a paixão e as relações fáceis para quem a vida já magoou tantas vezes? A maioria das pessoas não se recataria de aventuras amorosas?
Bruno Araújo - Fáceis não são nem nunca serão, embora na minha modesta opinião as pessoas ajudem muito a complicá-las. O Filipe, sendo alguém corajoso e determinado, é uma pessoa que segue em busca do amor verdadeiro, algo que nunca soube o que era por circunstâncias variadas. Alguém que procura a felicidade ao virar da esquina, e que trata a persistência por tu.
Efeito dos Livros - Bruno - quem és e o que fazes neste mundo - é hoje o mais importante, certo? Mas e se eu perguntar - este livro fechou definitivamente quem eras e o que até uma fase fizeste no mundo? Esta foi a tua libertação final?
Bruno Araújo - Certíssimo. Sim, o que eu fui ou deixei de ser no Passado deixou de fazer sentido para mim, incluindo a Regina (risos). Agora que tenho as respostas que procurei durante tanto tempo, sinto-me bem comigo próprio e a viver, algo que durante muito tempo não fiz, limitando-me a sobreviver a tudo e mais alguma coisa.
1 comentário :
Boa noite,
Este Sr. mostra que se encontra numa profunda psicose...
Podemos verificar que o grande erro dos pais e família, foi não prepara-lo para as negas que a vida nos da, que todos precisamos para evoluir.
Considero este livro um incentivo a acordar todos os sentimentos maus.
Basta lerem com atenção.
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