“Mo Yan é um escritor cujo realismo alucinatório funde contos tradicionais, História e contemporaneidade”, disse o comité aquando da decisão pelo autor chinês para Prémio Nobel da Literatura 2012
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- Está calado!
- Não estou!
E ainda bem que não ficou calado!!!
Mo Yan significa "está calado" e é o pseudónimo de Guan Moye, nascido na China rural de 1955, crescendo entre os transtornos da guerra e da fome, intercalado com a vida no campo e as tradições enraizadas da cultura chinesa.
Antes de mais, eu recomendaria a leitura de algumas informações sobre o autor, mas mais ainda sobre a China. Acredito que só assim possamos interpretar a profundidade de alguns dos episódios, cenários e personagens que Peito Grande, Ancas Largas. Algo que eu só me apercebi depois.
Mo Yan, expõe com mestria, mas é o nosso olhar que está turvo e toldado pelo peso das páginas, pela brutalidade de algumas situações, pelo enredo das descrições, mas pior ainda, o nevoeiro que jaz na nossa compreensão é fruto do desconhecimento de uma China tão distante, de tradições tão díspares, de uma cultura com riquezas próprias e de um clima de guerra, fome e subjugação da mulher, que nós só conhecemos dos livros, dos filmes, dos relatos noticiosos... felizmente. Mesmo assim, é possível ler Mo Yan! E é bem possível que se vicie na história, que a leia incessantemente, mas - vá com calma! São 600 páginas, são 100 anos de história, são 8 filhas, 1 filho e 1 mãe, mas são maridos, netos, padres, soldados, fome, violações, peitos, seios, mamas... tudo muito intenso e intensamente descrito, intensamente rebuscado, hilariantemente no estilo inconfundível deste marcante narrador e ferozmente um romance sobre a história, a guerra, a política, a fome, a religião, o amor e o sexo, na China do século XX, pelo olhar de um filho da terra, censurado, recrutado, proibido, badalado, controverso...
... e assim nasce Mo Yan, no Peito Grande, Ancas Largas: “O impulso criativo veio-me da profunda admiração pela minha mãe”.
Considerando o impulso e a inspiração materna, as informações sobre o autor e ainda o que ele diz sobre a sua própria obra:“Se quiserem podem ignorar todos os meus outros livros. Mas é obrigatório que leiam Peito Grande, Ancas Largas. É um romance sobre história, a guerra, a política, a fome, a religião, o amor e o sexo” ... é impossível não questionar: será Jintong, o narrador uma personificação do próprio autor?
Perceba-se aqui que este é um livro que espelha a força e perseverança do sexo feminino, hiperbolicamente descrita em cenários brutos, tocantes, chocante: “Nesse momento, vimos que metade da cabeça de Mudo Grande desaparecera e que um buraco do tamanho de um punho aparecera na barriga de Mudo Pequeno. Ainda vivo, mostrava-nos o branco dos olhos. A Mãe pegou numa mão-cheia de terra alcalina e pressionou-a contra o buraco, mas tarde de mais para impedir que um liquido verde borbulhante e o branco dos intestinos escorresse para fora".
No entanto, a fraqueza e obsessão de Jintong é abismal-mente controversa ao poderia feminino da família. Ainda assim a forma como é descrita a sua dependência física e mental garante ao leitor uma amálgama de bizarrice digna de nos viciar também... conduzindo-nos ao profundo desequilíbrio visual, num festim de cenas carnais, até aos confins da imensidão das metáforas do pensamento sexual, num fetiche omnipresente!
"O pastor estava de pé, alto e maciço por trás dela; as suas mãos, tão feias, contornaram-na e cobriram as duas pombas brancas. Com os dedos grosseiros alisaram-lhes as penas, beliscaram e apertaram as suas cabecinhas! Pobres cabaças! Pombinhas queridas! (...) Berros sonantes romperam-me da garganta; um rio de lágrimas turvou-me os olhos."
Poderia continuar a revelar-vos descrições marcantes, exageradas, delirantes, não só de seios, mulheres, corpos, sexo, mas de também de guerra, fome, subjugação... em variadíssimas partes há simultaneamente um realismo profundo, bruto, cruel, que quase nos fere, mas logo em seguida é como se a escrita do autor esvoaçasse até terrenos do delírio, plataformas da alucinação de um qualquer opiáceo e toda a dureza se transforma numa beleza inebriante de uma escrita metafórica única.
"Nos últimos dez anos, ou mais, os membros da família Shangguan morreram que nem pés de cebolinho. Ao mesmo tempo, nasceram outros para tomar o lugar deles. Onde há vida, há morte. Morrer é fácil, o difícil é viver. E quanto mais difícil, maior é a vontade de viver. E quanto maior o medo da morte, mais a gente luta para continuar viva. (...) Os seus olhos marejados de lágrimas porém cuspindo fogo, varreram os nossos rostos e vieram pousar no meu, como se eu fosse o depositário de todas as suas esperanças. Isto deixou-me incrivelmente nervoso e assustado, dado que, com a excepção do meu jeito para memorizar as lições e para cantar o «Hino de Libertação das Mulheres» (...) era um bebé chorão, apavorado coma própria sombra, e um fraco, como um borrego castrado."
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