quarta-feira, 24 de abril de 2013

«Depois» de Rosamund Lupton - Opinião


Volvidos mais de seis meses, volto a revisitar a escrita de Rosamund Lupton, iniciada com o seu primeiro policial «Irmã». Agora chegou a vez de «Depois».  

Desengane-se, apesar dos tons vermelhos de ambas as capas e os relatos emocionais familiares não são o que vai marcar este thriller, neste caso, quase psicológico. A escrita de Lupton vivencia uma alteração brilhante e surpreendente, rasgando por completo as semelhanças com a escrita anterior.
Apesar de manter o modelo de crise familiar, emocionalmente instável e perturbante, este «Depois» funciona antes como um álbum de recordações. Grace, revive, recorda e encontra forças nas memórias, que dia após dia se reflectem nas acções da família que a envolve.

Se o enredo não surpreende e desde cedo se pensa ser aquele o fim previsível, caso contrário o livro ganharia uma aura muito lamechas, há todo um enlace de acontecimentos em catadupa que retiram o ar pardacento deixado pelo fantasma do incêndio. 

A narrativa de Lupton ganha mais vida e maior qualidade já que a autora consegue focar diferentes géneros com a sua escrita, que se mantêm uniforme ao longo de todo o livro, mas, sequencialmente evoluí de drama para thriller, de policial para romance, chegando a ganhar contornos de crueldade e alguma dureza, especialmente pela forma como a narrativa está construída.

«Depois» é uma conjunção de episódios que se projectam no passado, relembrando a preocupação que é o futuro, mas sem esquecer que o importante é viver o presente, já que esse muda num segundo. A escrita é propícia ao turbilhão de emoções que a acção revela, tocando os aspectos sensíveis da vida familiar, desde a ausência paternal, à violência doméstica ou à importância de escolher um escola de renome para os filhos, contando assim que se dite o futuro com essa escolha milagrosa. A presença familiar na escola ou o bullying são temas igualmente retratados, não estando no palco da acção, mas adensando as entrelinhas de uma narrativa recheada de detalhes. 

Se a tia Sarah era "a versão em pessoa de um canivete suíço" o que se poderá dizer da quantidade de pequenas metáforas que o livro nos vai revelando. Com partes que se elevam a um quase, teletransporte sensorial, com a constante referência a flores, como se a memória olfactiva destas pudesse combater o cheiro nefasto a incêndio e as imagens de carne dilacerada pelo fogo.

Se Grace e Sarah são mulheres rochedo e se um beijo capaz de alterar o rumo do presente, mas se a amizade e a dedicação são capazes de cometer um crime, mas também capazes de nos livrar dos demónios que pairam cá dentro, talvez seja um dom, o de controlar as nossas memórias e esquecer "as sombras de dor que lhe pisavam os olhos", acabando com a surdina e a incógnita que é o sempre, mas com a certeza de que "existe um depois".



Ambos os títulos da autora são edições Civilização

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