quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A Confraria do Vinho, de John Fante - Opinião

A confraria do vinho! Podemos vê-los, a esses velhos malandros, a vadiar à porta das tabernas, copo de vinho na mão, suspirando a cada saia que passa."
Eduardo Verga, The Abruzzi

Eu não diria suspirando, aliás, eu não, o autor. John Fante revela, neste romance auto-biográfico, o legado de um pai autoritário, bêbedo e infiel. A infidelidade como marido, mas também como pai, ignorando os filhos e a vida e decisões dos mesmos. A Confraria do vinho é um relato apaixonante e empolgante, recheado de saltos temporais, um pouco ao sabor das memórias do escritor, revelando talvez o seu estado de espírito, alterado e atribulado, enquanto revelava ao mundo, o mundo que o esperava no seio familiar.

Entre goles e gorgolejos e grandes doses de vinho, Nick e Maria Molise estavam casados há cinquenta anos. Ele, constantemente bêbedo, assentava tijolo com perícia e meneava com mestria a sua trolha. Ela, constantemente em sobressalto, cozinhava manjares italianos que, ao fim de tantos anos, ainda atraiam os filhos. Movidos por néctares diferentes, um que escravizava a família, o outro que a apaziguava.

Henry, Virgil, Stella e Mario são frutos destas castas atribuladas e é sobre o ponto de vista dos mesmos que vamos conhecendo mais de perto a história de Nick e Henry Molise. Pai e filho, têm um relacionamento fragilizado e cheio de rachas, como uma obra mal acabada, recheada de lascas pontiagudas e espaços por preencher. 

É essencialmente nesta relação que se centra esta obra biográfica de Fante, revelando a relação pouco equilibrada que mantinha com o pai,

«O meu velhote nunca quis ter filhos. Ele queria aprendizes de assentadores de tijolos e pedreiros. Mas só lhe saiu um escritor, um bancário, uma filha casada e um guarda-freios. Ainda tentou moldar os filhos, tal como moldava a pedra, à pancada. Obviamente falhou.»

Vejo A Confraria do Vinho como a vida atribulada de Henry Molise, italiano, mafioso (todos os italianos são mafiosos, segundo a mãe de Harriet!), armado até aos dentes com palavras que lhe queimam o peito e já não lhe cabem na cabeça. É o desejo de escrever, os tempos atribulados e as dificuldades. A luta para vencer a montanha, quando a montanha já tantas vezes o havia engolido a ele. O relato que aqui se desvenda é talvez, e em parte, um fazer as pazes, uma aceitação dos capítulos menos bons da sua vida.  

Em capítulos curtos, fluídos, intensos, humorísticos, mas também afectuosos, Fante revela episódios desde a sua condição de mendigo, à sua obsessão por Dostoyevsky, a perdição pelas vinhas de Musso, a vontade de escrever e de vingar a dura condição de imigrante.

«(...)Toda a terra se tinha endomingado para celebrar o fiasco do fumeiro.»
Há com isto, para além do fim, que é soberbo, toda uma celebração, uma superação... pelo menos é assim que vejo.


Dificilmente reconhecido como um talento no seu devido tempo, é Bukowski, acérrimo fã que traz a público a mestria contida na obra Pergunta ao Pó. O maior reconhecimento é póstumo e é até apontado como um predecessor da Geração Beat. Ainda assim, a sua obra é relativamente curta, mas para muitos genial.
Outros títulos de John Fante, sem dúvida, para futuras leituras.

"Baby," I said. "I'm a genius but nobody knows it but me.", Bukowski

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