quinta-feira, 20 de novembro de 2014

"dizem que sebastião" de João Rebocho Pais - Opinião

Nada zarolho este romance peculiar de João Rebocho Pais!

Homem que, tudo tendo, nada tem, 
Que vida e gentes suas quase ignora, 
Perde-se do caminho a quem quer bem,
Cavalgando num galope que o devora;
E quando vê o passado que lá vem
Morto descobre o sentir de tanta hora
E, olhando incréu o vazio assim nascido
Chora triste o seu mundo desaparecido. 

É talvez a passagem deste livro que mais sentido faz na história de vida de Sebastião.
"dizem que sebastião" é um enredo em formato de remédio. É um livro terapêutico por assim dizer.
Se o enredo funcionar bem, tornar-se-á naqueles comprimidos de pequenas doses, mas aos quais se fica agarrado a vida toda. Talvez seja essa a cura de Sebastião, ficar agarrado à Literatura e aos autores portugueses o resto dos seus dias. E quem sabe a Margarida...

Largado num jantar sem sobremesa, é Margarida que dispara, sem saber, o golpe mais forte e inesperado no coração deste homem de negócios que, após um susto, parte em descoberta dos grandes clássicos da Literatura Portuguesa. Fora de portas, entre livros e bancos de jardim, tendo por companhia frias pedras com marcas intemporais, Sebastião descobre toda uma outra forma de organizar o teu tempo. De uma forma mais boémia e descontraída, sente a mensagem metafórica que a vida lhe está a transmitir. Aceita até uma certa nudez para encarar o dia a dia e conquistar (de vez!) a vida!!!

"(...)
De tudo o que foi, que é,
E na erma vida só vê
O raio da vaga esp'rança"

Para além de um guia para uma visita a estátuas célebres em Lisboa, este livro de Rebocho Pais é também um hino à Literatura Portuguesa. Apesar de uma história de amor, julgo que o amor maior é mesmo à palavra, à língua, ao testemunho escrito que fica e passa pelo tempo.
Há também neste livro uma curiosa forma de jogar com os nomes dos personagens, como se o surgimento dessas pessoas, com determinados nomes, fosse só por si um contributo para a sua cura, como o Dr. Boavida ou o livreiro Simplício...

É hilariante a forma como começa esta aventura literária. É francamente de gargalhar nas primeiras páginas e sempre que Sebastião analisa e critica a sociedade que o envolve. Que nos envolve, já que Sebastião é uma excelente metáfora para muitos.
O desaire amoroso e até de carácter pessoal resolvido através das letras é genuíno, mas parece-me um pouco ingénua a forma como o personagem segue com a sua história de vida. Parece simples demais.

De salientar a forma intrincada, cuidada e quase camaleónica com que o autor escreve, o que dá outro brilho ao livro, é como se o texto fosse acompanhando toda a mudança do personagem.


Sem comentários :