quarta-feira, 1 de maio de 2013

«Homer & Langley» de E. L. Doctorow - Opinião

"A ideia é eu escrever sobre o que não se pode ver. É difícil."

A ideia é difícil, mas E. L. Doctorow consegue-o com uma estranha mestria, presa no binómio: bizarro e belo, tornando Homer num narrador que vê pelas palavras e sente pela musicalidade destas!

"Há música nas palavras, e isso ouve-se, sabe, através do pensamento.
"(...) as palavras têm música e, se o senhor é músico, escreverá para as ouvir."

Um livro quase místico, com traços de humor negro e piadas mórbidas, mas com os requintes das avenidas nova iorquinas. Se por um lado, a sumptuosa vida dos irmãos Collyer lhes permite determinados luxos, como é o caso da mansão na 5ª Avenida, ela é, ao mesmo tempo, o grande armazém da discórdia e do isolamento que abalroa, sufoca e soterra os vícios, as depressões e os temperamentos diabólicos e descompensados dos irmãos Collyer, essencialmente Langley.

Com a participação na Primeira Grande Guerra, Langley terá desenvolvido um comportamento obsessivo e depressivo, descuidando a relação social, aliás desconfiaria desta, bem como de toda a sociedade e o próprio contexto de Guerra e posteriormente de Crash da Bolsa ou até a Guerra do Vietname, criou nele um apego e uma necessidade extrema de açambarcar pertences, armazenando-os desequilibradamente.

Já Homer, recebe, interpreta, sente e conhece o pulsar da mansã

o, como organismo vivo que é e que se transforma, a passos largos para um endiabrado labirinto, que oprime e inibe a sua independência e livre circulação. Será a opressão e a redução de independência de Homer um sinónimo da vida em tempo de guerra?

A relação entre irmãos é descrita como um autêntico álbum de família, que passa do luxuoso livro com capa de pele e fotografias em papel cuidado, para um scrapbook, mal amanhado, recheado de pinceladas, tesouradas, receitas fitacoladas e recortes de memórias esborratadas, construídas entre os relatos de uma mente demente e uma mente sensorial, que vive pelas pontas dos dedos, tacteando os caminhos da vida entre um Modelo T e as teclas de um Aeolian ou ainda uma bicicleta tadem.

Se a cegueira é devastadora, a guerra corroeu-lhes a herança, os sonhos e a esperança.

"(...) talvez o Harold estivesse vivo. Obrigada, Jesus, obrigada, disse ela, chorando de alegria. Bateu as palmas e louvou ao Senhor e não quis ouvir a nossa explicação sobre a data do carimbo."

"Uma pessoa moribunda pergunta se há vida depois da morte. A resposta é sim, só que não é a tua!"


É sem dúvida um livro perturbante, seja-o pelas descrições iniciais dos cenários de guerra, ou pelas constatações e sinapses sobre o efeito do álcool, que se acumulavam à volta de conspirações mais ou menos metódicas e elucidadas, dos episódios hilariantes com a policia ou os radicais, as mulheres ou a criadagem, mas mais ainda pela relação ora terna, ora nefasta entre irmãos.

Pior ainda, é vermos traços de genuinidade na «Teoria das Substituições» de Langley, mas ao mesmo tempo ver nela uma contemporaneidade abismal e a necessidade de um mesmo comportamento de insurreição.

A casa foi um compêndio de relíquias americanas, um museu, à espera de catalogação e de curador, alguém que entendesse a sobrecarga emocional de mentes perturbadas e eu diria ainda obnubiladas (palavra que aprendi com este livro) pelo matraquear metálico de um disquinho em forma de pires em busca da sua chávena.

E para terminar fiquei com Strangers in the Night, uma música para Jacqueline.

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