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Chego ao fim desta leitura e é como se desejasse voltar ao início ou ao outro livro ou desejar que existisse já um terceiro. Camarneiro escreve com um pragmatismo lírico, o que parece desde logo antagónico, mas é exactamente isso que a sua escrita me transmite, a total clareza de conseguirmos ser pragmáticos em reconhecer que temos tantas dúvidas. Não sei se me faço entender!?
"O mundo, senhor Fernando, é para ser visto e entendido, não inventado."
E o que restará de nós se nunca inventarmos nada?
Obrigada Nuno pelas palavras, pela combinação que com elas inventas, são elas que são responsáveis por nos reinventarmos a cada leitura. A dúvida que fica, essa sim merece ser vista e analisada. Há pessoas que têm o dom, de com clareza e paixão, nos fazerem pensar. Eis o que tanto absorvo da tua escrita.
"Quando um achador de terras se cansa de procurar caminhos, resta-lhe desistir ou abrir uma estrada nova (...). Por uma estrada inventada chega-se a qualquer lugar e por palavras escritas chega-se a qualquer vida em qualquer época."
"A todo o momento há diabos a quererem entrar na gente, espíritos de fogo à procura de queimar corpos e almas (...) A cabeça de alguns é um diabo a quem deram um corpo e uma data de nascimento, uma possessão à espera de acontecer."
"Alguns homens são de tripas e escamas, depois de amanhados ficam um pouco que não chega e mal se vê. Há outros em que tudo se aproveita, homens com segredos nas entranhas e na pele, que contam histórias sem fim."
Mais uma vez, somos brindados com um livro excepcional, recheado de passagens que merecem destaque, correndo o risco de destacarmos a maior parte do livro. Há como que uma geografia insólita que fragmenta vários homens como se multiplicassem as preocupações, amores e incertezas de um só que ao mesmo tempo pode ser a alegoria de todos os homens. A meu ver, um narrativa que espelha sentimento, dor, lamento, amor, perda, paixão, busca, desejo... a sofreguidão de viver a vida.
São difíceis de encontrar as palavras que façam justiça a este romance. São as dores de uma vida vivida, aguardando o milagre!
"O verdadeiro bilhete de um suicida é a sua vida como ele a viveu."
É a vida como a gente a vive, pautada pelas dores do amor, pelas estranhezas de quem vemos por fora, pela dissimetria do tempo, que escasseia e avança e nós aqui: "(...) sem nunca se sair de onde um dia se partiu."
Um livro que chega a ser pessoal, que nos entrega aquilo que nós quisermos tirar dele!
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Uma leitura com o apoio da Editora
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3 comentários :
"A vida tem mais palavras do que a literatura mas são palavras que não levam a lado nenhum"
Esta foi a frase que me ficou deste livro maravilhoso.
Afirmei que "As três narrativas vão-se alternando em capítulos muito curtos, intensos e literários, pois este livro é claramente uma peça de literatura que entra directamente para o que de melhor qualidade se escreve em português contemporâneo.
Estamos perante um romance muito bem escrito que deve ser lido à velocidade própria. Sabe melhor se digerido calmamente, deixando cada sabor e fragrância maturar no palato e espicaçar a nossa imaginação."
É uma delícia. :)
Boas leituras, Cris.
Quero ler :)
Sabe melhor se digerido calmamente...
concordo plenamente Nuno.
Philipa, já está pronto para te levar! ;)
Obrigada amigos pelos comentários
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