"A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação." Eça de Queiroz
Desça o Cais do Sodré, entrelace o braço e dê a mão à Liberdade.
Conheça Adamantino Teopisto e César Precatado de braço dado com os primeiros passos de uma liberdade democrática ainda precária.
Entre no prédio do Ramalhão, viaje de discussão em discussão, pelos meandros da Revolução. O 25 de Abril de 74 e o Golpe de Estado ofuscam outros acontecimentos que acontecem na Tipografia Gazela Atlântica.
Num constante recurso a citações e expressões de Os Maias, Paulo M. Morais constrói um romance histórico, recheado de palavras romanescas e rocambolescas que compõem este quadro, digno de um paraíso de Hieronymus Bosch.
Se Adão e Eva começaram no paraíso, caminharam pelos tortuosos caminhos da revolução, também ela de papel e aos papéis, para ambos terminarem no calor do inferno da política e do jogo de interesses, por detrás de um país, que navegava à margem de uma Europa já aberta e constituída. Um país massacrado pela opinião pública, censurada, e que afundava a imagem da conquista além mar, em terras sangrentas do Ultramar.
Se a Revista com cunho de diário era uma forma de olhar ao país renovado, mas em segunda mão, já os romances eram isentos de "clichés românticos e dichotes atrevidos".
Jardim das Delícias Terrestre, de Hieronymus Bosch
"Políticos e fraldas devem ser mudados de tempos em tempos pelo mesmo motivo." Eça de Queiroz
Tal se passa no país, tal se escreve na "Revolta", tal se passa com a ascensão e queda da prostituta Amália. Se o Fado do país mudou, o de outros ficou mais negro, entre amores e desamores, mulheres da revolta como Amália, Deodete ou Pandora são o fruto do desejo, a arma da sedução, a bengala de alguns homens, o colo, onde se forja uma nação... Talvez pareça estranho o que escrevo, mas o romance de estreia de Paulo M. Morais é muito assim. Um constante jogo de metáforas, onde tudo pode ser nada ou um nada revelar tudo.
«Revolução Paraíso» expõe despudoradamente alguns efeitos nefastos do pós 25 de Abril, criticando as elites, revelando identidades bipolares e costumes atávicos, desmentidos mitos e espelhando que a censura não fugiu para longe, nem a ditadura se afundou com o fim do ultramar. A constante dissimulação com nomes ou a mera distracção com as ancas de Amália ou os calções curtos de Pandora, não permitem ao leitor perder-se pelas ruelas e as putas nos bares do Cais do Sodré. O romance é histórico, é polémico, é fotojornalisto, já que bebe e embebeda-se na característica descritiva herdada do Eça.
Se Adão se transforma dentro do segredo profissional de Amália e renasce no Sótão das Delícias, já Pandora tem em si o efeito da discórdia e resume em si o grito e o lado humano da revolução, dando espaço às lides amorosas da Santíssima Trindade e ao conflito que desconhece as barreiras do delírio da mulher de papel.
É caso para dizer que Paulo M. Morais é um exímio contador de histórias. Um livro em forma de revolta, uma revista à moda da revolução, uma prosa poética e floreada que é um relato do hiato histórico entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75, relevando e exaltando o calor de um Verão Quente.
Boas leituras.
Esta leitura teve o apoio da PORTO EDITORA
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