quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

«De olhos fixos no sol» de Irvin D. Yalom :: Opinião

 

«Realize a sua vida» e «Morra na altura certa»

Os epigramas de Nietzche podem resumir o objectivo deste «De olhos fixos no sol» de Irvin D. Yalon, embora sejam mais fáceis de dizer do que praticar. E é com isso que nos deparamos ao ler sobre a necessidade de nos questionarmos e aceitarmos a inevitabilidade da morte e esse medo que nos persegue, por vezes disfarçado de imensas fugas e sofrimentos mal resolvidos.

Reconhecer a ansiedade da morte é aceitar um caminho manifestamente marcado pelo despertar de novas dinâmicas que trarão maior sentido às interacções interpessoais, mas também àquelas em que dialogamos para dentro, de modo a compreendermos que o que damos e deixamos aos outros não é mais do que uma soma de atitudes e momentos que apenas perduraram no tempo através das pessoas às quais nos conectamos (rippling).

Aceitar a morte ou encarar o sol de frente, reduzirá a miséria humana, ou seja, reduzirá a origem, a raiz da maioria dos nossos problemas. Ideia essa defendida por Epicuro e esmiuçada por Yalon nas suas sessões de psicoterapia. E claro, parte do objectivo deste livro é explicar que uma terapia bem orientada, numa base de empatia e conexão genuína entre o terapeuta e o paciente é encontrar um meio facilitador para superar medos e encontrar ferramentas de aceitação. E atenção, é aceitação, não rituais de protecção, onde reprimimos e engolimos a noção da nossa natureza finita.

“A morte realmente faz comichão e é uma comichão bem persistente; está sempre connosco, a arranhar alguma porta interior, a zumbir suavemente, quase sem se ouvir, mesmo por baixo da membrana da consciência. Escondida e mascarada, gotejando uma variedade de sintomas, é a fonte de muitas das nossas preocupações, stress e conflitos.”

Ler este livro pode realmente abrir algumas dessas portas interiores, mas o objectivo é mesmo esse, juntamente com relatos de casos clínicos, mostrar aos leitores, uma panóplia de situações que escondem esse receio da morte e o projectam em sentimentos, dores, preocupações e prisões que diminuem a qualidade e a força da existência de cada um de nós.

“O escritor existencialista checo Milan Kundera sugere que também provamos a morte através do acto de esquecer: «O que mete mais medo na morte não é perder o futuro mas antes o passado. De facto, o acto de esquecer é uma forma de morte sempre presente na vida.»”

Yalon vai mais longe e avisa-nos: contemplar a morte ou um grande episódio de dor, podes ser experiências decisivas para despertar e provocar mudanças, servindo-se de grandes filósofos (e não só!) para desmitificar noções contraditórias sobre a morte que inflamam uma existência menos independente.

“O leitor não poderá conectar-se ou dar seja o que for de importante aos que morrem, (…) a menos que esteja disposto a enfrentar os seus próprios medos, equivalentes aos de quem está a morrer, juntando-se-lhes num território partilhado. Ser capaz de fazer este sacrifício pelo outro é a essência de um acto de verdadeira compaixão e que traduz empatia. Esta disponibilidade para experimentar a nossa própria dor, em sintonia com a de alguém, tem feito parte da tradição curativa.”

A ideia poderosa do «eterno retorno» de Nietzche, em «Assim falava Zaratustra» que propõe um desafio: "(...) e se pudesse viver uma existência igualzinha à que viveu, uma e outra vez, por toda a eternidade, de que forma isso mudaria a sua vida neste momento?”

Se a mera sugestão de que pode ser obrigado a repetir tudo é assustadora, essa pode ser a força motriz que faltava para gerar mudança.

Ou seja, é o poder de olhar com maior transparência ao que nos acontece, permitindo uma maior higiene intelectual e equilíbrio emocional, alimentando a tão desejada serenidade mental ou equanimidade.

Mas o conselho maior é mesmo o de se socorrer de boas ideias, positividade e uma rede de boas memórias baseada na conectividade humana, combatendo a solidão e o isolamento e aumentando a compaixão e a empatia que permitem esbater a indiferença e baixar os muros da intolerância. E exemplo disso são sessões de psicoterapia que se sustentem na autenticidade, empatia e no olhar incondicionalmente positivo, criando uma interacção significativa. 

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