terça-feira, 18 de janeiro de 2022

«Os amores do Senhor Nishino» de Hiromi Kawakami :: Opinião

“Ato contínuo, ele colocou-se diante de mim. Tal como eu esperava, estava com cara de zangado. No entanto, a expressão era meiga. A doçura no rosto, o aprumo, a precisão com que atara o obi por mim era uma espécie de imagem de marca.”

"Nishino sorriu. Havia algo de misterioso no sorriso dele, como se soubesse de ciência certa que não existia nenhuma mulher capaz de o amar. O sorriso lembrava-me a chama azulada do aquecedor a gás."

Nishino e as suas amantes são tal como este frase: enigmática e ao mesmo tempo certeira, sem que perca uma aura própria que ecoa nos textos de Kawakami.  

“À imagem e semelhança do colecionador que estica as asas de uma borboleta e as fixa com alfinetes numa caixa. Como quem manuseia delicadamente o corpo sem vida de um inseto, a fim de preparar o mostruário. Pode dizer-se que ele me captara. Sem me ter sequer tocado com um dedo. Sem que tivéssemos trocado um olhar. (...)

No entanto, tinha qualquer coisa de suave, de quente e infinitamente agradável, criando a ilusão de que a aura era o próprio Nishino.”

Ilusório é sem dúvida um adjectivo para a linha ténue com que se cose este enredo. Vamos conhecendo, mas pouco, a história de Nishino, pelas várias mulheres narradoras, das quais também apenas vislumbramos algumas características, para, uma após a outra, constatarmos que aqui o que importa é o mistério, os humores flutuantes e a melancolia e, até uma certa estranheza, tudo bem macerado com uma boa dose de Natureza que se cruza com a cidade e se prova em vários encontros gastronómicos. Detalhes esses que compõem muito cada breve narrativa e permite quase estabelecer um padrão, mas mais nas mulheres que tão fácil se aproximam de Nishino, como sabiamente recuam e o negam com subtileza.

"Imaginava que a luz secreta que caracterizava os nossos encontros - que podia ou não ser natural - se perderia a partir do momento em que deixássemos de ser apenas dois.
Tínhamos uma relação efémera. Era precisamente o que me agradava nela. Se começássemos a conviver com terceiros, receava que isso fizesse de nós «um casal». Mal isso acontecesse, a nossa relação ficaria exposta aos olhos do mundo, como uma fatura na parede, e seríamos forçados a acertar contas um com o outro."

No decorrer dos vários anos, as tonalidades com que estas mulheres vão colorindo ou acinzentando Nishino, mostram-nos também as oscilações nos seus próprios sentimentos e as relações entre algumas delas, num jogo subtil, onde se analisam com mais ou menos frieza, mas tentam perceber-se como parte de um todo, um corpo único que tentou amar e compreender Nishino, sem negarem uma certa exuberância que contrastava em absoluto com a tristeza espelhada no rosto (de algumas delas).


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