Fui ler «O Segredo de Christine» por ter gostado de «O Mar» de John Banville. Black é o pseudónimo de Banville quando este escreve enredos mais policias, no entanto, voltando agora a ambos os livros, às suas personagens e enredos, e aos dramas que aqui são revelados, descobrimos mais traços comuns do que diferenças.
Em «O Mar» focamo-nos em Max Morden, viúvo, introspectivo, silencioso e em quem o passado lhe pulsa como um "segundo coração".
Em «O Segredo de Christine» também Quirke é viúvo e sente que o passado o persegue, é igualmente um homem solitário e silencioso que prefere ou, o frio e esclarecedor ambiente da morgue ou o calor de mais um copo.
Ambos vêm de uma classe social mais baixa, mas em alguma fase da vida foram adoptados por uma elite que até certo ponto os protegeu das asperezas da vida, pelo menos até serem tocados pela doença, a mentira e a morte.
"Tudo aquilo que realmente sempre desejei foi sentir-me defendido, protegido, resguardado, refugiar-me numa toca de tepidez uterina e ficar acocorado lá dentro, escondido do olhar indiferente do céu e das asperezas do ar agreste."
No entanto, ambos os personagens sentem que já viveram a vida com outra energia e até dotados de uma percepção sensorial pulsante. Tinham uma crença diferente no futuro. Sentiam-se vivos. Conectados.
"A vida, a verdadeira vida, deve ser uma luta constante, cheia de acção (...), que a vontade não pára de bater com a cabeça dura contra a parede do mundo."
"Sempre sofri do que julgo ser uma percepção extremamente penetrante da mistura de aromas que emanam da presença humana (...) a fragância acre e acidulada da própria vida..."
No entanto, ambos os enredos preferem explorar o peso do passado e transformar os protagonistas em pequenos botes de tristeza à deriva "(...) numa fúria muda, carregando nos punhos fechados as frustrações do dia como se fossem bagagem." Tanto Max como Quirke experimentam um acumular da infelicidade, essa espécie de zumbido agudo e incessante mas inaudível que lhes apaga o rasto em direcção ao futuro.
A morte, o passado, as memórias ou as descobertas febris da juventude são tão personagens como estes homens, bem como a intensidade da palavra, a forma cuidada e pensada com que o autor escolhe caracterizar os traços de cada interveniente, seja uma mulher a quem que cobiçam os seios altivos mas proporcionais à tristeza que carrega; a janela como testemunha que revela e espelha uma dor; a gaveta bafienta que encobre segredos; uma praia que devolve a infância ou um copo, companheiro predilecto de uma noite.
Banville tem a mestria de elevar linguagem, transformando-a num personagem que tudo une. Embora a certa parte assuma:
"Porém, mantenho-me firmemente sentado à mesa, a empurrar os parágrafos como se fossem fichas de um jogo que já não sei jogar."
Ou seja, parágrafo atrás de parágrafo, vá munindo o enredo com mais instrospecção do que acção: "seu mutismo era uma emanação penetrante e saturante. Não dizia nada, mas nunca estava silencioso."
Mesmo que se lhes mude o pano de fundo, "O Segredo de Christine" de Benjamin Black ou «O Mar» de John Banville, são narrados na invernia que pode ser o imaginário de um homem sozinho, a braços com os pensamentos, que com a força de uma barragem, estão prontos a desaguar.
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