terça-feira, 17 de março de 2015

A Manhã do Mundo de Pedro Guilherme Moreira :: Opinião


Pedro Guilherme Moreira homenageia as vítimas do 11 de Setembro com este seu "A Manhã do Mundo". No ano em que se celebrou 10 anos do atentado às Torres Gêmeas, o autor lançou um livro que "pensa" essencialmente nas vítimas que se atiraram. É sobre os que saltaram que o leitor irá ler e travar o sufoco desta história.

"Aos heróis que a falta de visão de outros confundiu."

Corria o ano de 2001 quando, em directo, no telejornal e sensivelmente durante a hora de almoço ou de café de muitos portugueses um segundo avião embateu na Torre Sul. Chegámos a julgar tratar-se de um filme ou de filmagens para um... não parecia, aliás não podia ser real!!!
Mas foi! E este ano fará 14 anos que este acontecimento marcou a história de uma cidade, de um país e em larga escala, o mundo!
Foi arrepiante já ter visitado o Ground Zero Memorial e sentir que o medo, a consternação e a angústia ainda ali pairam no ar. Duvido até que aquele local venha a ter outra aura.
Visitámos inclusive a Trinity Church que serviu de base para médicos, bombeiros, voluntários, entre outros ajudassem as vítimas e os testemunhos que por lá foram deixados são impressionantes.

É emocionante este livro, lê-se com um nó na garganta. Sentir que o que se lê é sufocante, claustrofóbico e que o autor conseguiu trazer para a acção, o sentimento trepidante e quase assustador que assolou as vítimas é um excelente exercício de escrita. Há beleza em certos momentos, quando emoção, afecto, amor e amizade preenchem relações, mas há essencialmente medo, surpresa, dor e claro, despedida. O momento em que Thea, Mark, Millard, Alice, Solomon, saltaram. Eles escolheram e saltaram.

Mas como é que a sociedade os vê? Loucos, acreditando na derradeira e estúpida salvação? Cobardes, livrando-se do sofrimento atroz de morrerem sufocados, queimados, esmagados...!?
Como encarar o suicídio? Como a etapa final da liberdade individual?
É essencialmente por aí que este livro começa, mas contêm em si muito mais.

O leitor é completamente levado a entrar nestas vidas que se cruzam porque dividem todos uma grande metrópole, convivem todos em torno de um marco social, económico e cultural da cidade.

De todas as histórias que desfilam nestas páginas, viajei com todas elas, mas mais ainda com Tzufit e Millard e ainda bem que quando a história vira - sim, uma vez que, a meu ver, este livro contêm outro livro dentro - há nesta história um reduto de felicidade e redenção.
Mas todas são tocantes a seu modo e a quantidade de vezes que reporta aos acontecimentos e ao sofrimento infligidos é o que já disse e não tenho outra palavra: sufocante.

"Bater naquilo que não se sabe bem o que é chega a ser um exercício cruel, espécie de planeamento a frio de um assassínio. A bondade é condição da inteligência no que toca à crítica do outro (...)"

Julgo que é neste acto de bondade, aqui literária, que o autor dá uma reviravolta na acção, expiando a culpa e os medos de outros, não só os que saltaram, permitindo-lhes um papel mais directo. Nessa segunda parte do livro, que poderia bem ser um independente, Pedro Moreira, questiona o salto de fé de uns e a condenação de outros, confrontando-os com hipóteses que assentam em universos paralelos. Pode existir quem não vá apreciar, mas julgo que isso é o que menos importa, importa pensar em cada uma destas pessoas e no enredo que se criou em torno delas e colocar um: "e se!?"

"Para voar, é preciso alguma fé. Não se voa pelo mero exercício da razão. E voar, na espécie humana, é um dos actos fundadores. (...) Para voar, apenas com o corpo, sem mecanismos artificiais, é preciso uma matemática própria (...) Há algo dessa precisão na fé."

Já quase no final do livro, surge a história de Z, como surgem muitas outras paralelas. A reflexão do eremita, que do topo da montanha, na excentricidade da sua vida em paz, avaliou o arrepio e a maldade humana é um relato muito lúcido.

Resta-me dizer que gostei bastante. Pedro Moreira tem traço próprio e quando cria um bom enredo vale muito a pena ler um livro dele.
No final, julgo que a mensagem é incentivar ao não esquecimento deste episódio com contornos mundiais e desde cedo nos diz isso mesmo.

"A multidão esquece rapidamente e não quer ser incomodada (...). Há entre os desmemoriados quem finja viver dias felizes, quando a humanidade gira constantemente sobre o vazio das mesmas falhas."


1 comentário :

Jardim de Mil Histórias disse...

Olá!

Já tinha visto este livro e fiquei bastante interessada. Gostei da sinopse.

Beijinhos e boas leituras.