"Deixa-me fazer-te uma pergunta. Tu, com as tuas causas liberais, como reconcilias o teu apoio ao islão com o teu apoio aos direitos dos homossexuais, ao feminismo, quando vês como as mulheres, ou os homossexuais, ou as minorias, são tratados em tantos países muçulmano?
- O Khan não é esse tipo de muçulmano.
- Mas então tens uma medida pessoal... os muçulmanos «aceitáveis» são aqueles que concordam contigo."
Quem são os muçulmanos aceitáveis?
Quais são as causas e as minorias por quem é «aceitável» lutar após o 11 de Setembro?
Quem são os que têm direito a decidir sobre o memorial a erguer no ground zero?
A quem pertence a maior dor? Existem mortes mais importantes do que outras?
Quem tem legitimidade para afirmar sentenças perante temas tão ambíguos como o significado da arte ou a profundidade da dor?
O debate é acesso e pejado de discórdias: as aceitáveis e as manipuladas pela ganância dos media, astutamente personificada por Alyssa Spier. Mohammad Khan tem uma presença ambígua, mas o estado em que se encontra Nova Iorque e a opinião pública também. O conflito tem início com uma fuga de informação e a pressão espalha-se aos mais variados intervenientes. O peso da herança cultural, a interpretação do islão, o significado da arte e a profundidade da dor são o centro deste livro. Ou seja, política. Mas política é também o papel dominante dos jornalistas, das associações, dos debates transformados em manifestações, as angariações e os grupos de suporte, um manancial de intervenientes que espelham uma América divida, com medo e altamente manipulada por muito ruído e pouco espaço à reflexão.
"(...) temos pessoas a arrancarem os lenços da cabeça das nossas mulheres e os nossos jovens a radicalizarem-se em resposta, e quem pode censurá-los? Isto vai acabar mal. - Virou-se para Mo. - Você está a levar-nos para um mau final. Foi você, não os terroristas, quem sequestrou a nossa religião. Pelo menos os terroristas são crentes. Qual é a sua desculpa?"
O extremismo não está só nas acções, mas também na forma tão "preto no branco" de olhar a um assunto complexo.
"Mo não tinha o eco - teológico, histórico e histérico - de Mohammad."
O não entendimento a Khan, assume exposição máxima, negando-lhe qualquer pertença. Sem obter aceitação de nenhum dos lados, Mo é excluídos de uma América que não entende os seus intentos e é igualmente excluídos de uma religião que pede mais do que ele dá. Sobra-lhe a arquitectura para interpretar o que o rodeia.
"Há cinco dias que estava a jejuar. Ele era apenas um grão de areia, entre centenas de milhões de muçulmanos que observavam o Ramadão - (...). Ele via esse período como um edifício, medido de quarto crescente a quarto crescente, fazia de cada dia uma sala, medida do nascer ao pôr do sol. A refeição antes do nascer do dia era uma ombreira e, durante as horas de abstinência, a boca era como uma porta trancada. Mas estes eram os conceitos rebuscados de um arquiteto. A verdade era que não sabia por que motivo estava a fazê-lo..."
O impulso de privilegiar a tolerância e a importância da arte como resposta para a esperança perdida chocam com a própria vulnerabilidade de cada um e o pedido de segurança que é feito por todos. É com muita desta dualidade que todo o enredo se depara, explorando teorias da conspiração que parecem absurdas, mas que pautaram os jornais naquele período conturbado.
"Claire acendeu a televisão, curiosa por saber o que as classes histéricas pensavam disto.
- Num desenvolvimento potencialmente explosivo, o design do memorial pode, na verdade, ser o Paraíso dos mártires - informou com ar sério um apresentador da Fox News, antes de passar a palavra a um painel de especialistas no islão radical.
(...)
- Os restos mortais deles também estão naqueles terrenos. Ele desenhou um túmulo, um cemitério, para os terroristas, não para as suas vítimas. Certamente que sabia que, em árabe, a palavra para túmulo e jardim é a mesma.
(...) «Jardim da Vitória» gritava o Post. O editorial de opinião do Wall Street Journal chamava ao design de Khan «um ataque à herança judaico-cristã da América (...) uma tentativa encoberta de islamização.», prosseguia o artigo."
A memória colectiva quer manter viva a memória de uma tragédia, mas a necessidade de se curvar perante necessidades tão particulares e outras tão patrióticas, torna impraticável o processo de luto, tornando-o num lugar barulhento e vazio das reflexões necessárias.
"- Lamento, mas um memorial não é um cemitério. É um símbolo nacional, um significante histórico, uma forma de garantir que qualquer pessoas que o visita... por mais ténue que seja a sua ligação em termos temporais ou geográficos com o ataque... compreende como foi, o que significou."
*
A melhor frase de todo o livro:
"A tristeza dele, demasiado grande para um corpo tão pequeno, era como uma sombra que não deixava crescer uma planta."