A metamorfose da palavra cultura, ou melhor do seu significado e conteúdo é o alvo desta radiografia ensaísta do Prémio Nobel da Literatura de 2010. Mario Vargas Llosa afirma-se preocupado com o desaparecimento da cultura (se é que já não desapareceu) e a banalização e frivolidade dos conteúdos exibidos sob a denominação de cultura.
Vargas Llosa não está só preocupado com a fragmentação e as temáticas temerárias que alastram na cultura dos nossos dias, mas também com a complacência e a letargia do receptáculo, que, ao que parece, não se preocupa ou ainda não se apercebeu o quão nefasto é esta falta de qualidade actual, degenerando assim a sociedade em geral.
Num ensaio curto e com uma escrita pragmática, sem rodeios nem polimentos, o nobel encaminha-nos pelos meandros da cultura, que desde o início nos indica considerar perdida e vendida às exigências de uma sociedade dependente do fácil, do superficial, do vendável e das modas. Questionando a massificação da cultura e culpando-a pela perda da mesma.
Citando T. S. Eliot, na sua obra Notas para a definição de cultura (1948) "Não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, do qual se possa dizer que tem falta de cultura", o autor adianta-se e desde logo afirma (p. 12), sem rodeios, que "esse tempo é o nosso".
Desde o início deste livro, a sua leitura envolve-nos em diversos conceitos, especulando inúmeras questões e alertando-nos para leituras paralelas ou posteriores, espicaçando-nos para compreender melhor aquilo que Steiner chama «a retirada da palavra» e a degradação progressiva da mesma já que a cultura actual subverte-se ao poder da imagem e à rapidez de absorção desses conteúdos imagéticos.
Qual é o impacto deste bombardeamento asfixiante de ideias, imagens, diversão, espectáculo...?
Que papel tem a inquietação e a ansiedade que o consumismo desenfreado provoca?
Numa época cada vez mais individualista como se aceita uma cultura cada vez mais despersonalizada?
Vargas Llosa alerta também para a constante alienação (Marx, 1884) provocada pela Civilização do Espectáculo que vem expandir o fenómeno da «reificação» ou da «coisificação» do indivíduo, anestesiando-o e afastando-o dos reais problemas. As políticas de facilitismos, camuflam estratégias de aprisionar o indivíduo a uma sociedade industrial, criando necessidades onde não existem, estupidificando e futilizando a sociedade, deslocando assim a sua atenção.
A crítica é incisiva e toca a todos, expande-se pelos vários acontecimentos político-sociais da actualidade, questionando o prazer, o poder, a arte, a proibição, a religião, a informação, a guerra... ou seja, muitas das ramificações que estruturam e atribuem valor e conteúdo a uma cultura que se tem vindo a perder. Fundamentando e expandindo os seus próprios escritos, o Nobel da literatura faz a ponte com inúmeros escritores, filósofos, sociólogos e obras de renome, abrindo assim um leque vastíssimo quando se deseja aprender mais.
A reflexão continua e divide-se entre seis capítulos e uma reflexão final, tendo todas elas um fragmento extra, intitulado de pedra de toque (a designação não será acidental), conferindo assim uma maior acidez ao discurso e afirmando ainda mais o seu carácter crítico e o olhar desencantado de quem se sente um dinossauro numa época profanada pelo light, e aqui entenda-se que este light é pesado e enredado, é irresponsável e manipulador.
É urgente a mobilização de consciências e o compromisso de não nos volatilizarmos tanto, sem prejuízo, é certo, de sermos capazes de nos divertir e entreter, mas não fazendo disso o adágio dos nossos dias. O entretenimento não pode converter o mundo num palco gigante, banalizando o sofrimento e a violência, que nos consegue tornar apáticos e passivos, uns conformistas conflituosos, superficiais e cheios de opiniões, meramente exibicionistas e pouco fundamentadas ou conscientes.
O inconformismo do autor é descaradamente delicioso de ler, já que nos brinda com uma escrita explícita e em nada labiríntica ou complexa contrariando muitos dos ensaios que nos inibem de lê-los, adivinhando ideias intrincadas e parágrafos que nunca mais terminam, mas neste livro nada disso ocorre, levando-nos a acreditar que este género de prosa ensaísta seja o último reduto e chame a si os produtos da sociedade actual.
«A Civilização do Espectáculo» é uma edição Quetzal, tenha mais informações aqui ou no blogue da editora.
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