terça-feira, 1 de outubro de 2013

«Cidade Aberta», de Teju Cole - Opinião


Cidade Aberta é uma denominação de guerra. Acontece quando uma cidade se declara publicamente rendida e abandona os seus esforços de defesa, esperando uma ocupação pacífica por parte do inimigo, premissa nem sempre cumprida pelos invasores.

Entendendo assim Nova Iorque como uma cidade aberta (?), metrópole cosmopolita e que encerra em si todos os pedaços do mundo, pelo manancial de culturas e povos emigrantes que compõe o mosaico que é a cidade e as suas características e influências.

É no trilho destas influências e nas dúvidas sobre a condição humana que Julius (o personagem) divaga e vagueia pela cidade, confrontando-se com acontecimentos e as questões que daí advêm e que levantam temas tão imensos como: o sonho da multiculturalidade, o pluralismo, o direito à diferença (diferente de indiferença), a religião, a aculturação dos emigrantes, a invisibilidade do indivíduo na sociedade... entre tantos outros temas que encerram em si a complexidade do que é compreender a sociedade actual, altamente modificada por acontecimentos como foi o 11 de Setembro.

Se partirmos desse acontecimento, já rodeado de diversas teorias, mas que, independente de todas elas, mudou a Big Apple e o mundo, como vemos Nova Iorque? Que marco histórico frisou aquele atentado? Nova Iorque era ou ficou uma Cidade Aberta? Se pensarmos politicamente e em termos de segurança talvez se tenha fortalecido, mas e no sentimento humano, nos seus habitantes, o que restou para além da perda, da solidão, da dúvida, do sofrimento e da insegurança?

Explorando a imperfeição e a dúvida que tolda muitas vezes o discernimento, considerando que cada vez mais se olha ao invés de se observar, Julius foca-se na relação com o Outro. Considerando e dando algumas referências literárias, que o Eu se constrói, se altera e se completa na relação com o Outro. Sendo assim, como podemos estar cada vez mais isolados e sós? Afinal é solidão que sente e que vê, diariamente!

A fragilidade das multidões é justificada sob a égide de Obatalá, filho de Olorum, que na mitologia africana explica a criação do mundo e a presença de seres defeituosos. A criação de todos através de um molde de barro justificaria assim a ausência de diferença, e quando a há (os "defeituosos") serem interpretados como sagrados.

A sua origem Nigeriana é aqui espelhada, no entanto, Julius intriga-se com as questões religiosas que há séculos separam Cristãos e Muçulmanos, levantando questões sobre a fé e a adoração e a questão monoteísta e politeísta. Os encontros com Farouk desempenham um papel crucial, com diálogos enriquece dores sobre religião e liberdade.


Entre Nova Iorque e Bruxelas, dois centros mundiais, as diferenças não se esbatem, nem criam contrastes nas questões que Julius que ver respondidas. A questão da emigração e da consequente adaptação e aculturação é por si só uma questão, mas está intimamente ligada a outras.

O sonho da multiculturalidade é cada vez mais posto em causa, pela dificuldade de aceitação das diferenças,
as gerações de emigrantes e a pluralidade que compõe as grandes cidades, dificultam o entendimento e a aproximação ao Outro.
Partindo do princípio que a aceitação e a igualdade têm caminhado a passos largos, em que pé estamos hoje? É necessário respeitar a cultura, a religião, os costumes dos Outros, mas em que medidas não são os de todos nós? Na actual sociedade de consumo, onde a ausência de valores e princípios impera muitas vezes, não se viverá actualmente desprovido de traços de individualidade?

Que não se confunda: individualidade e individualismo.

Mas onde eu quero chegar e foi algo que o livro me levou a pensar, foram as seguintes questões?
Na preocupação de respeitarmos a diferença do Outro e de promover a multiculturalidade teremos vindo a perder o direito à diferença?
Na ilusão de um sonho comum de igualdade e pervertendo o conceito, termo-nos tornado mais ocos e desprovidos de traços genuínos?
Não será na diferença própria de cada um, que estará a riqueza que promove a cultura e nos educa a respeitarmos a diferença do próximo?

O motor do desenvolvimento pessoal está na sociedade à nossa volta, mas a sociedade somos todos nós. O culto pelo imaginário de uma sociedade melhor, passa muitas vezes pelo revestimento superficial dado pelo consumismo  e a plasticidade das ideias, oscilando entre impulso e tendências (devo confessar que a leitura deste livro acompanhou a leitura de «A Civilização do Espectáculo» de Mario Vargas Llosa - Artigo de opinião aqui).

Lê-se Teju Cole e não se sai com um sentimento de revolta ou incompreensão, mas antes cativados para ler todas as referências com que ele abrilhanta o seu relato. Saí-se sim, compreendendo a dimensão da luta pela singularidade e a ferida profunda que é a solidão. Sem nunca esquecer o papel da liberdade.

"Nós experimentando a vida como uma continuidade e só quando ela sai dos seus eixos, só quando se torna parte do passado, é que vemos as suas descontinuidades. O passado, se é que tal coisa existe, é sobretudo um espaço vazio, grandes dimensões de nada onde flutuam pessoas e acontecimentos importantes."

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Uma leitura com o apoio QUETZAL, saiba mais do livro aqui.

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